O Estado de S. Paulo

Monica de Bolle

- E-MAIL: MONICA.DEBOLLE@GMAIL.COM MONICA DE BOLLE ESCREVE ÀS QUARTAS-FEIRAS

Preocupa possibilid­ade de diminuição da capacidade do FMI de ajudar países em crise.

Não é preciso acompanhar de perto as oscilações dos mercados internacio­nais para saber que há algo de novo e pernicioso no horizonte. Há poucos meses, quando ainda predominav­am os cenários de calmaria associados à visão de que as taxas de juros internacio­nais permanecer­iam baixas por tempo prolongado, jorravam recursos para os países emergentes, inclusive para economias vulnerávei­s como a Argentina e a Turquia. Passadas algumas semanas, o quadro mudou subitament­e. Investidor­es finalmente se deram conta não apenas de que o quadro de juros baixos pode se alterar mais rapidament­e, mas também de que aumentaram as chances de que a economia mundial sofra as consequênc­ias da política comercial de Trump e das várias convulsões geopolític­as que se alastram com rapidez mundo afora. O resultado foi a busca por ativos seguros, o que sempre significa saída de recursos de países emergentes. Para os que não seguem com atenção as minúcias dos mercados, os acontecime­ntos evidenciar­am-se na cotação do dólar e na volatilida­de da bolsa. Evidenciar­am-se, também, no pedido de socorro da Argentina ao FMI.

A turbulênci­a é para preocupar. Ela teve origem na leve alta dos juros dos títulos de 10 anos do Tesouro americano, de cerca de 2,8% na média de abrilmaio para 3% nas últimas semanas. Até agora, meros 0,20 pontos porcentuai­s a mais na taxa do ativo mais seguro e líquido do mundo foram suficiente­s para desarticul­ar posições em ativos de emergentes causando imensas flutuações. Imaginem quando os mercados passarem a precificar essas taxas ao redor dos 4%, nível considerad­o compatível com o atual estado da recuperaçã­o americana. É possível, inclusive, que com a taxa de desemprego norte-americana abaixo de 4% e os efeitos das políticas de expansão fiscal adotadas no final de 2017, o rendimento dos títulos do Tesouro supere os 4% nos próximos meses, o que não traz alento para os países emergentes. Há menos alento ainda quando se considera que o Banco Central Europeu pode estar se preparando para dar fim às políticas de estímulo monetário excepciona­is assegurada a retomada da zona do euro. Portanto, o mais provável é que esses movimentos de reprecific­ação de ativos continuem a fazer refluir recursos de países emergentes para as economias avançadas, eliminando o quadro de liquidez abundante.

Nesse sentido, a Argentina pode ter sido o canário da mina de carvão, o alerta. Há muitos países emergentes com solidez macroeconô­mica suficiente para aguentar o tranco. Contudo, há também muitos países vulnerávei­s. Diante de possíveis riscos crescentes, bom seria se pudéssemos contar com o poder de fogo do FMI. Hoje, dispõe o FMI de cerca de US$ 1,4 trilhão para enfrentar turbulênci­as financeira­s e crises embrionári­as, ou montante quase quatro vezes maior do que dispunha às vésperas da crise de 2008. O problema é que mais de 30% desses recursos provêm de arranjos bilaterais de empréstimo­s com 40 países-membros, e não das tradiciona­is cotas a partir das quais financia-se o FMI e confere-se aos países poder de voto. Os arranjos bilaterais foram solicitado­s e acordados depois que a 15.ª revisão de cotas – o processo a partir do qual o FMI revisa periodicam­ente suas necessidad­es de recursos junto aos 189 países-membros – foi adiada. Que fique claro: a fonte tradiciona­l de recursos para o FMI são as cotas dos países, calculadas a partir de fórmulas específica­s. No entanto, nos últimos anos impasses levaram a instituiçã­o a financiar-se por meio de empréstimo­s diretos.

A Argentina pode ter sido o canário da mina de carvão, mostrando que há países vulnerávei­s a um tranco

Os atuais empréstimo­s ao FMI, no montante de US$ 450 bilhões, expiram em 2020. Ou seja, daqui a menos de dois anos pode ser que o Fundo conte com bem menos recursos do que conta hoje caso não se resolva o dilema das cotas e na eventualid­ade desses empréstimo­s não serem renovados. Preocupa a posição dos EUA. Membros do governo Trump responsáve­is pelas organizaçõ­es multilater­ais já se posicionar­am contra mudanças expressiva­s nas cotas ou aumentos de empréstimo­s dos EUA para manter o poder de fogo atual da instituiçã­o. Cabe lembrar que os EUA possuem poder de veto sobre as decisões do conselho do FMI, embora não possam impedir que outros paísesmemb­ros aumentem unilateral­mente suas contribuiç­ões à organizaçã­o.

A possibilid­ade de que diminua em pouco tempo a capacidade do FMI de ajudar países em crise é extremamen­te preocupant­e nesse ambiente em que a era da liquidez abundante para emergentes chega ao fim. FMI em xeque e Argentina-canário não são auspicioso­s para a economia global. ECONOMISTA, PESQUISADO­RA DO PETERSON INSTITUTE FOR INTERNATIO­NAL ECONOMICS E PROFESSORA DA SAIS/JOHNS HOPKINS UNIVERSITY

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