O Estado de S. Paulo

CIDADE DOS SEM-TETO

Dez mil pessoas vivem de forma precária na maior invasão de sem-teto do Estado, em Sumaré, no interior. Caso está no STF.

- Pablo Pereira ENVIADO ESPECIAL / SUMARÉ

Um bairro com 32 ruas e cerca de 70 pontos de comércio, sem rede de água e esgoto nem coleta de lixo, abriga hoje 2,5 mil famílias (10 mil pessoas), em Sumaré, interior de São Paulo. Com urbanizaçã­o precária, a “cidade” de cerca de 1 milhão de m² do Movimento dos Trabalhado­res Sem-Teto (MTST) se chama Vila Soma, é do tamanho de Heliópolis (na capital) e cresce ao lado do centro da cidade.

Maior ocupação urbana dos semteto no Estado de São Paulo, após uma invasão em junho de 2012, a área avaliada R$ 100 milhões estava destinada ao pagamento judicial de 200 credores com dívidas trabalhist­as, tributária­s e outros serviços da massa falida das empresas Melhoramen­tos Agrícolas Vifer e Soma Equipament­os Industriai­s, que quebraram em 1990, com falência desde 2008. O caso foi parar no Supremo Tribunal Federal (STF), onde há dois anos aguarda julgamento.

Depois de ter vivido a tensão de estar na mira de uma reintegraç­ão de posse – em janeiro de 2016, suspensa por decisão do ex-presidente do STF Ricardo Levandowsk­i –, o clima de incerteza na região ainda persiste. Vivendo no improviso, os moradores da Vila Soma criaram um sistema de vigilância próprio para os barracos e as casas de alvenaria que se multiplica­m no local. Uma rede de informante­s controla a entrada e o trânsito de estranhos desde o acesso da Avenida Soma, a principal ligação com o bairro vizinho Parque Manoel de Vasconcelo­s. A eventual presença de indesejáve­is é imediatame­nte informada a líderes por celulares.

“A gente já sofreu muito preconceit­o aqui na Soma”, explica uma moradora na entrada da vila, na quarta-feira da semana passada, enquanto falava ao celular com uma pessoa que chamava de “pastor”. Ela avisava o homem sobre a presença reportagem do Estado na entrada. “Aqui, cada rua tem seu coordenado­r”, diz Maria do Socorro Silva, uma das integrante­s da direção. Sob sol forte do meio-dia, caminhões-pipa circulam e ônibus e vans escolares entregam e embarcam crianças nas ruas centrais do assentamen­to.

Na Barbearia Duzotus, na entrada da avenida principal, Fabrício Santos, de 24 anos, atende clientes de seu improvisad­o salão, cortando cabelos a R$ 10. E elogia a “ocupação”, que é como o MTST caracteriz­a os imóveis invadidos para moradia popular com recursos de programas como o Minha Casa Minha Vida. “A gente faz também mutirão para atender de graça na comunidade”, conta Fabrício, explicando ser seguidor de uma igreja evangélica.

Caminhão-pipa. Sem ligação regular de água e luz, os moradores se viram como podem para viver no isolamento da Soma. “A gente compra a água do caminhão-pipa”, relata uma moradora. Ela diz que vive no local há dois anos com o marido e um filho de 5 anos. “Eu pago R$ 10 para o caminhão encher a caixa de 500 litros”, explica a mulher, reclamando que também não há rede de esgoto no assentamen­to. Outra moradora, que caminha pela avenida de terra vermelha, se queixa da ausência de pavimentaç­ão e linhas de ônibus no bairro. “Quando a gente sai, tem de levar outro sapato para trocar por causa da poeira”, comenta. Segundo ela, que mora na Vila Soma com o marido, a família paga R$ 60 por mês pelo abastecime­nto de água. “É de poço”, diz. “E a luz é gato (irregular)”, emenda. De acordo com a CPFL, a Vila Soma não recebe energia por não ser área regulariza­da no município.

Desconfiad­os nas entrevista­s, os moradores negam que haja pagamento de aluguel ou compra e venda na vila. “Não há isso, não”, protesta Edson Gordiano da Silva, um dos moradores, que há dois anos e meio é coordenado­r. Para Maria do Socorro Silva, moradora e também coordenado­ra do movimento, que tem uma pequena loja de roupas em um cômodo da casa onde mora, já houve denúncias de comércio “mas esse pessoal não vem mais aqui”.

Venda de lotes. As denúncias de venda e aluguel de lotes e também de coação de moradores para que se filiem ao MTST, porém, constam em relatos feitos ao Ministério Público sobre casas sendo vendidas com preços que variam de R$ 15 mil a R$ 20 mil, dependendo da localizaçã­o no terreno e da cobrança por ligações de luz e água.

“Isso ocorreu no passado; não acontece mais”, rebate o advogado do MTST, Alexandre Mandl, que presta assistênci­a jurídica aos moradores. “Esse processo já foi extinto”, diz ele. Mandl refere-se à Ação Civil Pública 4003957-21.2013.8.26.0604, que correu na 1.ª Vara Cível de Sumaré, denunciand­o irregulari­dades na ocupação.

Responsáve­l pelo processo da massa falida na 2.ª Vara de Sumaré, o juiz André Gonçalves Fernandes lembra que os moradores já foram alertados para a situação irregular das transações imobiliári­as. “Avisei os desavisado­s para que não comprem”, explica.

Ele critica a invasão das terras da Soma pelo MTST. Neste caso, disse o magistrado, havia direitos de trabalhado­res anteriores ao direito à moradia e à função social da área.

“Eu acho lamentável. Esse argumento deles atropela um direito anterior: o dos trabalhado­res das empresas de receber seus direitos trabalhist­as”, diz o juiz. “Minha intenção é encerrar esse processo até o fim do ano”, afirma Fernandes.

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TIAGO QUEIROZ/ESTADÃO
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FOTOS:TIAGO QUEIROZ/ESTADÃO Rotina. Ônibus leva estudantes da ocupação Dívida da massa falida com créditos trabalhist­as é de aproximada­mente R$ 8 milhões.
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Movimento. Pelas ruas da Vila Soma, MTST espalhou placas com palavras de ordem
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Leilão. Juiz quer dinheiro da área para pagar credores da massa falida

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