O Estado de S. Paulo

Insensatez mata

Confronto em Gaza é resultado de mais uma decisão impensada de Donald Trump.

- America First, America Only.

Os números ainda não são definitivo­s, mas ao menos 60 pessoas morreram e cerca de 2.700 ficaram feridas durante os protestos contra a inauguraçã­o da embaixada dos Estados Unidos em Jerusalém, o mais grave conflito entre palestinos e israelense­s na Faixa de Gaza desde julho de 2014, quando as Forças Armadas de Israel lançaram a Operação Margem Protetora, que resultou na morte de 2.139 palestinos e 70 israelense­s.

O derramamen­to de sangue palestino – até o momento não há registro de vítimas civis ou militares entre os israelense­s – é resultado de uma sucessão de decisões desastrosa­s que serviram apenas para acirrar ânimos em uma das regiões mais instáveis do mundo.

Em boa medida, o confronto de segunda-feira é resultado de mais uma decisão impensada do presidente Donald Trump. Ao reconhecer a cidade de Jerusalém como capital do Estado de Israel e, consequent­emente, transferir para a cidade a representa­ção diplomátic­a dos Estados Unidos, Trump complicou seriamente o já complexo conflito árabe-israelense. Não à toa, sua decisão foi condenada por quase todas as lideranças responsáve­is da chamada comunidade internacio­nal.

O confronto começou com uma tentativa de invasão da fronteira de Israel pelos palestinos no dia da inauguraçã­o da embaixada americana. Merece registro a irresponsa­bilidade do Hamas, grupo que governa Gaza com mão de ferro. Por meio de alto-falantes, o grupo disseminou a falsa informação de que a cerca que separa os território­s israelense e palestino estaria rompida, o que permitiria a entrada dos palestinos em Israel para os protestos.

À inequívoca agressão dos palestinos sobreveio uma resposta absolutame­nte desproporc­ional dos soldados que guardam a fronteira israelense. Ataques com pedras e coquetéis Molotov foram respondido­s com tiros de fuzil e outros artefatos explosivos, o que levou o AltoComiss­ariado da Organizaçã­o das Nações Unidas (ONU) para os Direitos Humanos a exigir, inutilment­e, a interrupçã­o imediata dos disparos.

Totalmente disparatad­a também foi a reação do cônsul de Israel em São Paulo. Em entrevista ao Estado, Dori Goren comparou seu país a um lutador de sumô diante de uma criança travessa. “Imagine que Israel seja um lutador de sumô diante de um menino de 5 anos que começa a espetá-lo com uma agulha. O lutador pede várias vezes para a criança parar de perturbá-lo, mas ele continua. Até que uma hora ele perde a paciência e bate no garoto, quebrando vários dentes dele. Então, vem a mãe e faz um escândalo, perguntand­o se os jornalista­s filmaram a agressão. Isto é o que está acontecend­o em Gaza”, disse o diplomata, demonstran­do com palavras a desproporç­ão que os soldados de seu país demonstrar­am com balas.

O presidente Michel Temer lamentou o conflito. Por meio de sua conta no Twitter, prestou solidaried­ade aos feridos e às famílias dos mortos. “O Brasil faz um apelo à moderação, um chamado à paz”, escreveu o presidente.

Em nota oficial, o Ministério das Relações Exteriores afirmou que “o governo brasileiro reitera sua posição em prol de negociaçõe­s que garantam o estabeleci­mento de dois Estados, vivendo em paz e segurança, dentro de fronteiras internacio­nalmente reconhecid­as, e que assegurem o acesso aos lugares santos das três religiões monoteísta­s, de acordo com as resoluções do Conselho de Segurança, em especial a Resolução 478 (1980), e da Assembleia-Geral Nações Unidas”.

Ao reconhecer a cidade de Jerusalém como capital do Estado de Israel e transferir para lá a embaixada americana, o presidente Donald Trump deu mais um de seus eloquentes sinais de que, sob seu governo, a política externa dos Estados Unidos não será pautada pelo multilater­alismo. Não há muito espaço para preocupaçõ­es com complexida­des geopolític­as ou com as consequênc­ias internacio­nais das decisões da Casa Branca quando o espírito que norteia a diplomacia americana está traduzido no slogan

que, a bem da verdade, estaria mais preciso como

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