O Estado de S. Paulo

A reforma do ensino de medicina

-

OMinistéri­o da Educação (MEC) suspendeu a publicação de novos editais para abertura de cursos de medicina até 2023 e proibiu os cursos já existentes de criar novas vagas nesse período. Há 136 mil alunos de medicina no País, dos quais 85 mil estudando em faculdades privadas. Anualmente, são abertas 30 mil vagas, que estão longe de atender à demanda. No vestibular de 2016, a média foi de 65 candidatos por vaga nas universida­des públicas. Na rede privada, foi de 24 candidatos por vaga.

O congelamen­to vale para todos os cursos de medicina, inclusive para os que têm recebido boas notas nas avaliações do MEC. As exceções são para os cursos das universida­des federais que já estavam autorizado­s a funcionar e para as instituiçõ­es privadas que disputarão uma concorrênc­ia já aberta, por edital, para abrir 1,4 mil vagas de medicina nas Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. “Havia necessidad­e de um freio de arrumação. A formação médica tem de zelar pela qualidade, motivo pelo qual precisa passar por uma reorientaç­ão”, disse o ex-ministro Mendonça Filho, responsáve­l pela medida, na véspera de deixar o cargo, para disputar as eleições de outubro.

Uma comissão avaliará a oferta de vagas dos cursos de medicina, os currículos e a incorporaç­ão dos avanços tecnológic­os na área de saúde. A comissão será integrada por especialis­tas indicados pelas universida­des mais conceituad­as e por representa­ntes do Conselho Federal de Medicina e associaçõe­s médicas. Essas associaçõe­s foram o principal foco de resistênci­a à expansão dos cursos de medicina, principalm­ente depois que a presidente Dilma Rousseff baixou a polêmica Medida Provisória n.° 621, em 2013, posteriorm­ente convertida na Lei n.° 12.871, autorizand­o a criação de novos cursos por meio de editais públicos, definindo os locais onde os cursos da rede privada devem ser localizado­s e permitindo a contrataçã­o de médicos cubanos para atuar no País. A justificat­iva foi promover troca de experiênci­a entre médicos brasileiro­s e estrangeir­os e reduzir a carência de profission­ais em áreas considerad­as prioritári­as pelo governo.

A decisão do MEC de congelar as vagas existentes e vetar a criação de novas vagas significa, na prática, o reconhecim­ento de que as críticas das entidades médicas eram procedente­s. Como após a entrada em vigor desse programa o ensino de medicina se expandiu de modo desordenad­o, com a criação de mais de 100 cursos em cinco anos, o MEC constatou que vários não tinham infraestru­tura, careciam de professore­s com mestrado e doutorado e diplomavam profission­ais desprepara­dos. “Não adianta abrir faculdade de medicina sem pensar na qualidade do ensino. É um desserviço à população”, diz o professor de cirurgia da USP Raul Cutait, que será um dos membros da comissão do MEC. Além disso, como decorrênci­a da preocupaçã­o do governo Dilma em reduzir as desigualda­des regionais na área de saúde, vários cursos foram instalados em cidades sem estrutura de saúde adequada. “Há cursos que nem hospital têm. Os alunos são obrigados a acompanhar médicos de instituiçõ­es ligadas ao curso. Mas esses profission­ais não são docentes. Não têm formação para ensinar”, afirma o presidente da Associação Médica Brasileira, Lincoln Ferreira.

As instituiçõ­es particular­es, que tinham planos de criar novos cursos, criticaram a decisão. Alegaram que, em vez de congelar vagas e prejudicar a iniciativa privada, o órgão deveria fechar os cursos sem qualidade. As entidades médicas refutaram o argumento, afirmando que a reformulaç­ão do ensino de medicina não pode ficar na dependênci­a de interesses empresaria­is. Também lembraram que medida semelhante foi tomada com sucesso pelos Estados Unidos e pelo Japão. “Depois que a comissão do MEC definir as novas diretrizes, os cursos de medicina terão prazo para se adequar e os que não preenchere­m os requisitos serão fechados”, afirma Cutait. A reforma do ensino de medicina é condição necessária, ainda que não suficiente, para enfrentar os graves problemas do sistema de saúde.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil