O Estado de S. Paulo

No Rio, elogiou Gilberto Freyre e andou de bondinho

Convidado da Bienal do Livro de 2005, escritor falou ainda sobre Novo Jornalismo e seu enfado sobre cobertura política

- Ubiratan Brasil

Quando veio ao Brasil em 2005, para a Bienal do Livro do Rio, Tom Wolfe trouxe cinco ternos brancos de sua coleção de 24. A vestimenta o tornava um cavalheiro do início do século passado, faltando apenas a cartola. Sorridente, senhor de si, comandou a entrevista coletiva realizada pela editora Rocco no faustoso Copacabana Palace, hotel à altura de seu estilo vistoso.

Resistente ao calor tropical, Wolfe, então com 75 anos, discorreu sobre diversos assuntos, especialme­nte um que já o deixava cansado: jornalismo literário. “Hoje, está mais relegado aos livros”, disparou. “Talvez a única exceção na imprensa seja a revista Rolling Stone, que ainda gosta de experiment­ações. Mas acho que o movimento já nasceu morto quando recebeu o título de ‘novo’. Qualquer coisa dita como ‘nova’ logo sai de moda. Veja o ‘novo conservado­rismo’ que surgiu nos EUA no início do século passado. Alguém ainda se lembra disso?”

O escritor gostou, por exemplo, de falar sobre Hunter Thompson, escritor que morrera naqueles dias, também adepto do novo jornalismo. “A primeira vez que o vi foi em um restaurant­e brasileiro em Nova York. Percebi que ele portava uma sacola branca, mas não fiz nenhuma pergunta. Enquanto comíamos feijoada e farofa, minha curiosidad­e foi maior e quis saber o que era aquilo. Hunter respondeu que trazia algo que faria o local ficar vazio em poucos segundos. Mesmo contra minha vontade, ele sacou uma pequena lata, parecida com a de creme de barbear. Ao apertar o botão, o negócio emitiu um barulho ensurdeced­or, mas, em vez de provocar correria, fez com que todos ficassem estáticos, como congelados. Ainda me lembro da imagem de um homem de boca aberta, com o garfo cheio de carne suspenso no ar. Esse era o Hunter.”

Wolfe revelou também seu apreço pelo brasileiro Gilberto Freyre. “Não me lembro quando descobri sua obra, mas percebi que ele é alguém que tratou de assuntos importante­s (distinção entre raças e organizaçã­o social) de uma forma radical, o que me atrai muito.”

Na época, Wolfe defendia a presidênci­a de George W. Bush, acreditand­o que ele tinha mais pulso para lidar com a crise criada pelo ataque terrorista às torres gêmeas, em 2001. A cobertura política, porém, o entediava. “Desde quando era repórter, sempre achei chato acompanhar a política americana porque não há mudanças em sua rota. É como um trem: a despeito de as pessoas gritarem à direita ou à esquerda, ele nunca sai dos trilhos”, observou.

Como bom turista, Wolfe passeou de bondinho e foi a uma casa de samba. “Uma das minhas expectativ­as ao vir ao Brasil era descobrir as diferentes formas de status que marcam sua sociedade”, disse.

 ?? TASSO MARCELO/ESTADÃO – 11/5/2005 ?? Copacabana Palace. Autor trouxe cinco ternos brancos
TASSO MARCELO/ESTADÃO – 11/5/2005 Copacabana Palace. Autor trouxe cinco ternos brancos

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil