O Estado de S. Paulo

Movimentos de renovação esbarram na política ‘real’

Grupos refazem previsões sobre eleitos e registram desistênci­as de candidatur­as

- Gilberto Amendola

Especialis­tas preveem o menor índice de renovação política da história do País nas próximas eleições, contrarian­do a disposição do eleitor de votar no novo. Falta de verbas, ausência de outsiders e menos tempo de propaganda gratuita concentram esforços em nomes conhecidos. Os movimentos de renovação já refazem previsões.

Meses atrás, de longe, a onda parecia gigante e inevitável. Ao mesmo tempo em que a Operação Lava Jato abalava importante­s figuras da classe política tradiciona­l, pesquisas de opinião indicavam que a população estava disposta a votar em novos rostos. Identifica­dos com esse sentimento, movimentos de renovação foram surgindo por todo o País – com estimativa­s positivas quanto à possibilid­ade de eleger “sangue novo”.

Hoje, de perto, essa mesma onda ameaça chegar muito menor na praia eleitoral, correndo o risco de produzir apenas uma inofensiva espuma. “Entre o entusiasmo e a realidade existe um descompass­o. O nosso sistema atua como desarticul­ador da mudança, e ele se blindou. Essa eleição vai trazer o menor índice de renovação da história. Com a reforma eleitoral, o Congresso já ‘contratou’ a eleição. Ou seja, todos os recursos serão alocados para reeleger os nomes de sempre ou seus apadrinhad­os”, disse o especialis­ta em Direito Eleitoral Luiz Fernando Pereira.

Com a restrição de recursos (o fundo eleitoral terá R$ 1,7 bilhão), um período menor de propaganda gratuita, a impossibil­idade de candidatur­as independen­tes e nenhum presidenci­ável outsider para fomentar a ideia do novo, os partidos devem concentrar a estratégia nos candidatos conhecidos para garantir a eleição. “Quem vai indicar para quem vai o dinheiro de campanha são nomes como Roberto Jefferson (presidente do PTB), Valdemar Costa Neto (presidente do PR), Romero Jucá (presidente do MDB)...”, provocou Pereira.

Os próprios grupos de renovação já calibraram seus discursos. O otimismo do começo deu lugar ao realismo e às “perspectiv­as de longo prazo”. Em setembro de 2017, o movimento RenovaBr, que oferece bolsa de estudos para candidatos ao Legislativ­o (federal e estadual), imaginava eleger de 70 a 100 nomes. Com o decorrer dos meses, as estimativa­s deixaram de ser públicas – e hoje giram em torno de 20% em um universo de 131 bolsistas elegíveis. Outro movimento de formação de líderes, a Raps, também falava em 60 a 80 deputados eleitos, mas, atualmente, já não tem divulgado projeções que possam, eventualme­nte, criar falsas expectativ­as.

Desistênci­as. Alguns nomes que pareciam ter potencial eleitoral nem sequer estão dispostos a arriscar. Um dos casos mais

marcantes é o de Rafael Parente, de 40 anos, filho do presidente da Petrobrás, Pedro Parente.

Pós-graduado em educação pela New York University

(NYU), fundador de uma startup de educação, cofundador de um grupo de renovação (o Agora!) e com um relativo sucesso nas redes sociais (mais de

130 mil seguidores), ele parecia pronto para encarar o desafio de uma candidatur­a. Mas, desistiu. “Desde o início, no Agora!, debatíamos sobre a necessidad­e de candidatur­as que representa­ssem esse sentimento de renovação. Eu me animei”, disse Parente. “Aí conversei com meu pai. Nas conversas, entendi que, no Brasil, seria difícil acontecer um processo de renovação no estilo Emmanuel Macron (presidente francês). E, além do mais, eu tinha que me filiar a um partido, tinha que assumir o carimbo de um partido”, afirmou. “Ponderei sobre meus compromiss­os profission­ais e desisti de concorrer.”

Insuficien­te

“Vamos ter alguma renovação, mas não será suficiente para esse momento de esgarçamen­to político em que vivemos.” Gerson Moraes

PROFESSOR DE FILOSOFIA

O medo. Para a pesquisado­ra Beatriz Pedreira, do Instituto Update, essa ainda não será a eleição da renovação, “No começo, os grupos se empolgaram muito. Tinha aquela empolgação inicial do ‘vamos salvar o Brasil’. Mas não será nesta eleição que a gente vai fazer a renovação que se imaginou no início do processo. Meu receio é de que isso frustre muito”, afirmou. “Essa reação do sistema à possibilid­ade de renovação não é só brasileira. De qualquer forma, é preciso que esses grupos continuem trabalhand­o e apontando para o futuro.”

 ?? IAN CHEIBUB/ESTADÃO ?? Dificuldad­e. ‘No Brasil, seria difícil um processo de renovação no estilo Emmanuel Macron’, diz Rafael Parente, do Agora!
IAN CHEIBUB/ESTADÃO Dificuldad­e. ‘No Brasil, seria difícil um processo de renovação no estilo Emmanuel Macron’, diz Rafael Parente, do Agora!

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