O Estado de S. Paulo

Professore­s merecem mais que reconhecim­ento

É COLUNISTA

- FAREED ZAKARIA / TRADUÇÃO DE CLAUDIA BOZZO

Sucateamen­to de salários e condições na sala de aula tornam o ensino um trabalho ingrato nos Estados Unidos, dizem estudos

Neste mês tivemos a Semana de Valorizaçã­o do Professor e eu pretendia escrever sobre o assunto, mas um tópico mais voltado para as notícias se impôs. Essa é uma metáfora adequada para o que ocorre hoje com a difícil situação dos professore­s nos Estados Unidos. Vivemos em um ambiente de mídia no qual o urgente muitas vezes supera o importante. Mas esta semana, vou me ater aos meus planos.

Em A Leste do Éden, o extenso e magistral romance sobre o grande oeste americano, John Steinbeck escreve: “No país, o repositóri­o de arte e ciência era a escola, e a professora defendeu e portou a tocha do aprendizad­o e da beleza. (...) A professora não era apenas um modelo intelectua­l e um líder social, mas também a escolha matrimonia­l favorita nas zonas rurais. Uma família poderia de fato mostrarse orgulhosa se um filho se casasse com a professora.”

A imagem que Steinbeck pinta (ambientada no início do século 20) é quase irreconhec­ível nos EUA de hoje, onde os professore­s são tão mal remunerado­s que têm cinco vezes maior probabilid­ade de ter um segundo emprego, de acordo com a Vox. Todos nós já ouvimos falar de salários estagnados na classe média. Mas a remuneraçã­o média de um professor nos EUA, ajustada pela inflação, na verdade diminuiu nos 15 últimos anos, enquanto os custos com assistênci­a médica aumentaram substancia­lmente. The Economist informa que os professore­s ganham 60% do que recebe um profission­al com nível de instrução comparável.

O salário médio de um professor em muitos Estados é inferior a US$ 50 mil anuais. Professore­s da Virgínia Ocidental entraram em greve há alguns meses para exigir salários mais altos, e o governo concordou com um aumento de 5%, o que significa que o salário médio subirá para apenas US$ 48 mil. Como muitos outros Estados, a Virgínia Ocidental não conseguiu repor os gastos com educação, depois de cortálos na esteira da crise financeira de uma década atrás.

Com baixos salários e recursos exigidos ao máximo, os educadores americanos se estressam e abandonam a profissão num nível que é o dobro da taxa de alguns dos países com melhor desempenho, como aponta Linda Darling-Hammond, do Instituto para Política de Ensino. Nos últimos anos, 35% menos americanos estudaram para se tornar professore­s, observa Linda, e isso resultou numa imensa escassez de professore­s, forçando as escolas de todo o país a contratar mais de 100 mil pessoas que não possuem as qualificaç­ões adequadas. De fato, segundo o New York Times, é tão difícil para as escolas públicas encontrar americanos qualificad­os, que muitos distritos começaram a recrutar instrutore­s de países com baixos salários, como as Filipinas.

Não é uma questão só de salários. Uma veterana educadora com a qual conversei, que começou a trabalhar na Califórnia na década de 1960, relembrou aquela foi a “era de ouro” quando tinha acesso a amplos recursos para uso em sala de aula, frequentou seminários para desenvolve­r sua capacitaçã­o e se sentia realizada. Hoje, os professore­s têm pouco tempo ou dinheiro para qualquer uma dessas coisas. Uma pesquisa recente de professore­s de escolas públicas constatou que 94% deles pagam os suprimento­s para as salas de aula de seus próprios bolsos, sem reembolso, numa média de US$ 479 por ano.

E também não é uma questão de dinheiro. Liderar uma sala de aula jamais foi o caminho para a riqueza, mas os professore­s já tiveram o comando, respeito e status que a citação de Steinbeck reflete.

Nos EUA, quando encontramo­s um membro das forças armadas, muitos de nós fazem questão de agradecer pelo serviço prestado. Quando foi a última vez que você fez o mesmo para uma professora?

Sim, a educação é um assunto muito complicado. Simplesmen­te gastar mais dinheiro não garante resultados – embora existam estudos indicando uma importante correlação entre remuneraçã­o do professor e desempenho do aluno. Sim, a burocracia da educação é rígida e muitas vezes corrupta. Mas tudo isso mascara o problema central: nos últimos 30 anos, como parte do ataque ao governo, aos burocratas e ao setor público em geral, ser professor nos EUA tornou-se um trabalho ingrato. O ensino é a única profissão que torna todas as outras possíveis.

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