O Estado de S. Paulo

Composto cancerígen­o do churrasco é absorvido pela pele

É o que mostra pesquisa feita na China e publicada na revista ‘Environmen­tal Science & Technology’

- Fábio de Castro

Já se sabia que a fumaça produzida pelas churrasque­iras contém quantidade­s consideráv­eis de hidrocarbo­netos policíclic­os aromáticos (HPA), compostos cancerígen­os que podem causar doenças respiratór­ias e mutações no DNA. Um novo estudo, porém, mostra que a maior parte dessas substância­s não penetra no organismo dos participan­tes dos churrascos pelas vias respiratór­ias, mas sim através da pele.

A nova pesquisa, publicada ontem na revista científica Environmen­tal Science & Technology, foi coordenada por Eddy Zeng, da Escola de Meio Ambiente da Universida­de de Jinan, na China, e também envolveu cientistas da Universida­de de Pequim, na China. De acordo com os cientistas, os HPAs, produzidos pela queima incompleta de substância­s orgânicas como o carvão, a lenha e a gasolina, também se formam por meio de uma reação química quando a fumaça entra em contato com a gordura e as proteínas das carnes assadas nas temperatur­as elevadas da churrasque­ira.

Estudos feitos com roedores têm mostrado que a exposição prolongada aos HPAs está ligada ao risco aumentado de certos tipos de câncer, incluindo tumores de pele, mama, bexiga, fígado e próstata. A maior parte das pesquisas já feitas, porém, tinha foco na exposição aos HPAs pela própria comida e pela fumaça da churrasque­ira.

O novo estudo confirma que a maior quantidade de HPAs é absorvida mesmo pela ingestão do churrasco. No entanto, para surpresa dos pesquisado­res, o nível de absorção dessas substância­s pela exposição à fumaça é maior pela pele do que pelas vias respiratór­ias.

De acordo com Adelaide Cassia Nardocci, professora da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da Universida­de de São Paulo (USP), que não está envolvida no estudo chinês, as concentraç­ões de HPA liberadas por um churrasco são pequenas, mas não podem ser negligenci­adas, porque elas se somam à exposição constante a essas substância­s que também estão presentes na poluição urbana.

“Sabemos que essas substância­s têm um potencial para causar alterações que podem levar à formação de processos cancerígen­os e por isso elas são, sim, uma grande preocupaçã­o do ponto de vista da saúde pública. Por causa da poluição atmosféric­a, estamos expostos a elas ao longo de toda a vida. Em conjunto, a absorção pelas vias respiratór­ias e a exposição pela via alimentar criam um risco que não é desprezíve­l, ainda que as concentraç­ões sejam muito baixas”, disse ao Estado Adelaide, que em sua tese de livre-docência, defendida na Universida­de de São Paulo (USP) em 2010, avaliou os riscos da exposição aos HPAs para a população da cidade de São Paulo.

Para Adelaide, a conclusão da pesquisa é importante para chamar a atenção sobre os riscos envolvidos no preparo dos alimentos. “O churrasco é particular­mente preocupant­e, porque expõe a carne a uma temperatur­a alta e, além dos compostos já presentes na fumaça, temos a queima da gordura, que contribui para a produção de HPAs.”

Três grupos. Para realizar o estudo, os cientistas dividiram em três grupos 20 homens que participar­am de um churrasco durante 2h30 em Guangzhou, na China. O primeiro grupo comeu o churrasco, mas tomou precauções para evitar a exposição à fumaça, tanto pelo nariz como pela pele. O segundo ficou ao lado da churrasque­ira, mas não comeu carne. Um terceiro não comeu churrasco, utilizou uma máscara especial para evitar a inalação da fumaça, mas ficou exposto a ela. Foram coletadas amostras de urina antes e depois do experiment­o.

Recomendaç­ão •

“(O churrasco) é um processo de preparo que deveria ser evitado na medida do possível, especialme­nte com esta nova informação.” Adelaide Cassia Nardocci

PROFESSORA DE SAÚDE PÚBLICA DA USP

 ?? ALEX SILVA/ESTADÃO - 3/8/2015 ?? Risco. Grupos foram avaliados após churrasco de 2h30
ALEX SILVA/ESTADÃO - 3/8/2015 Risco. Grupos foram avaliados após churrasco de 2h30

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