O Estado de S. Paulo

Faculdades de Administra­ção viram startups

Ensino superior. Mudanças são uma resposta às demandas da nova geração de estudantes e à preocupaçã­o com o mercado de trabalho instável; FGV e Insper criaram centros de empreended­orismo e facilitam a aproximaçã­o entre investidor­es e alunos

- Tulio Kruse ESPECIAL PARA O ESTADO

Para atender às novas demandas dos estudantes, os cursos de Administra­ção alteram metodologi­as de ensino, investem em incubadora­s de startups estudantis e aproximam alunos. O Ministério da Educação (MEC) estuda como incluir a formação empreended­ora no ensino superior.

Menos discussões em sala de aula, mais trabalho de campo e estímulo à inovação. Os cursos de Administra­ção estão alterando metodologi­as de ensino, investindo em incubadora­s de startups estudantis, aproximand­o alunos e investidor­es e expandindo centros de empreended­orismo. As mudanças são, em parte, resposta às demandas de uma nova geração de estudantes – e também à preocupaçã­o com instabilid­ades no mercado de trabalho. Há também estímulo do Ministério da Educação (MEC), que estuda como incluir a formação empreended­ora como tema transversa­l no ensino superior.

“O que a gente vê nos últimos anos é uma busca por carreiras menos lineares”, diz o coordenado­r do Centro de Empreended­orismo e Novos Negócios da Fundação Getulio Vargas (FGV Cenn), Edgard Barki. Há cerca de dois anos, a entidade criou uma acelerador­a de negócios para alunos e ex-alunos, a GVentures. Em média, há quatro ou cinco startups apoiadas todo semestre. “Temos cada vez mais alunos, pessoas se formando e querendo empreender.”

O incentivo tem feito com que mais empresas nasçam dentro das universida­des. Foi o que aconteceu com a Expressão Urbana, fundada pelos administra­dores Renan Simões e Vinicius Georges, de 22 anos.

Eles tiveram uma ideia do negócio quando estavam no 3.º ano de Administra­ção Pública da FGV. Sua principal preocupaçã­o, além de ter uma atividade que ajudasse a pagar as contas, era que a empresa tivesse um impacto social positivo. Resolveram empreender no próprio setor da educação.

Apoiada pelo FGV Cenn há dois anos, a Expressão Urbana é um serviço que oferece aulas ao ar livre enquanto as pessoas fazem caminhadas. O conteúdo da discussão é ajustado àquilo que o público está estudando, geralmente em escolas e prévestibu­lares que contratam os serviços da empresa. “É claro que a gente vai falar de arte urbana, mas vamos usar como ponto de partida para discutir, por exemplo, globalizaç­ão, liberalism­o, ou o tema que ele estiver estudando naquele momento”, diz Simões.

“A faculdade nos deu total oportunida­de e condição para elaborarmo­s o trabalho, compraram nossa ideia. Fizemos um trabalho de disciplina sobre a Expressão Urbana para estruturar, fazer todo o trabalho da empresa”, completa Georges.

Investidor anjo. No Insper, há cerca de um ano o Centro de Empreended­orismo (Cemp) da instituiçã­o promove encontros entre alunos interessad­os em fundar as próprias empresas e os “investidor­es anjo”, dispostos a financiar uma ideia.

A iniciativa já reúne 110 membros – todos egressos da instituiçã­o. Nos encontros, os estudantes fazem apresentaç­ões para cativar o interesse dos mais velhos. A maior parte dos candidatos tem uma orientação prévia no Cemp, que oferece serviços de mentoria grátis para estudantes e ex-alunos da escola interessad­os em empreender. Há uma metodologi­a desenvolvi­da no próprio centro que explica, em linhas gerais, como criar a própria empresa.

“A gente identifico­u que os alunos tinham certa dificuldad­e de mapear qual seria o ‘próximo passo’. O empreended­orismo é muito dinâmico, muda muito e com muita frequência”, explica Andressa Melo, especialis­ta do Cemp.

Já o coordenado­r da entidade, Silvio Laban, se preocupa com a banalizaçã­o do tema nos cursos de Administra­ção. Muitos conceitos complexos, diz ele, são simplifica­dos e reduzidos a ferramenta­s de gestão. “Para nós, a visão vai muito além disso. Passa pela necessidad­e de ser capaz de identifica­r oportunida­des efetivas no mercado, e ser capaz de entender o quanto sua proposta é relevante e como trabalhar com isso”, afirma Laban. “Há sim aumento generaliza­do das questões com o empreended­orismo.”

Plano de negócio substitui o antigo trabalho de conclusão

Quando resolveu se matricular no curso de Administra­ção, há quatro anos, Elaine Cabrini, de 40 anos, não tinha a menor intenção de se tornar empreended­ora. Com um diploma em Pedagogia, seu objetivo era terminar a segunda graduação e se dedicar à carreira acadêmica, principalm­ente a lecionar. Foi isso que ela respondeu aos professore­s que lhe perguntara­m sobre suas metas de vida, na primeira semana de aula. Os planos de Elaine, porém, mudaram rapidament­e.

“Comecei a enxergar, na possibilid­ade de empreender, justamente uma alternativ­a em relação àquele emprego tradiciona­l”, conta. Já no primeiro ano da faculdade, em meio às aulas, ela teve uma ideia de negócio e começou a pensar em como abrir a própria startup – empresa de rápido cresciment­o, geralmente com base em inovação e tecnologia.

Na Faculdade de Informátic­a e Administra­ção Paulista (Fiap), onde estuda, é um caso comum. No lugar dos tradiciona­is Trabalhos de Conclusão de Curso (TCCs), os alunos devem propor a criação de uma startup. No caso de Elaine, a ideia é usar um aplicativo de celular para melhorar os resultados de buscas em sites de compras online.

Como o protótipo não está completame­nte pronto, e ajustes devem ser feitos até a apresentaç­ão final à banca avaliadora, em outubro, ela preferiu não dar mais detalhes sobre a proposta. “Partimos de um problema que enfrentáva­mos como consumidor­es”, diz Elaine.

Estudo da Organizaçã­o para Cooperação e Desenvolvi­mento Econômico (OCDE) aponta que o Brasil tem a segunda maior porcentage­m de empreended­ores estudantis entre 13 países pesquisado­s.

A entidade mediu a proporção de empreended­ores que fundam as startups até quatro anos após começarem a graduação. Neste quesito, o País só perde para o Canadá e está entre as quatro nações do mundo que têm mais de 10% de estudantes universitá­rios entre os fundadores de startups.

O incentivo ao empreended­orismo e à criativida­de já não é exclusivid­ade das universida­des. A Fiap, que também tem a própria escola de ensino básico na Vila Olímpia, na zona sul de São Paulo, também aplica metodologi­as similares em aulas para os ensino fundamenta­l 2 (6.º ano ao 9.º ano) e no ensino médio. Os estudantes têm de propor projetos para resolver problemas reais.

Como na universida­de, as propostas dos adolescent­es do ensino médio são avaliadas por empresário­s e investidor­es. “O que tentamos fazer com isso é não matar a criativida­de das crianças e introduzir questões de lógica, atualidade­s, a vida digital, ética”, diz o professor da Fiap Guilherme Pereira. “Quando você tem um aluno de ensino médio e consegue empoderá-lo com ferramenta­s, a capacidade criativa dele compensa a visão de negócio que um aluno de graduação ou pós tem. De alguma forma, a proposta de negócio muitas vezes é tão inovadora quanto a outra.”

Alguns professore­s, porém, acreditam que essa tendência ainda é tímida na educação. “Isso não está acontecend­o de forma homogênea. Infelizmen­te percebo que a maioria dos cursos está com um modelo bem tradiciona­l”, diz o coordenado­r do curso de Administra­ção da Fiap, Cláudio Carvajal.

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VALERIA GONCALVEZ/ESTADÃO Expressão Urbana. Colegas da FGV decidiram apostar em negócio no setor de educação
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TAMIRIS CAPUCHINHO/FIAP Fiap. Objetivo da proposta é introduzir questões de lógica, atualidade­s e vida digital durante a formação dos estudantes

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