O Estado de S. Paulo

Meio rock, meio samba

Arnaldo Antunes lança disco dedicado aos dois gêneros musicais.

- Adriana Del Ré

Arnaldo Antunes mistura gêneros em novo disco.

Arnaldo Antunes é um artista inquieto. Da música, da poesia, das artes visuais. Em seus projetos musicais, há sempre uma nova busca, um novo caminho, um reinventar em uma trajetória já consolidad­a. Antes de embarcar na turnê dos Tribalista­s, que tem início em 28 de julho, na Arena Fonte Nova, em Salvador, o cantor e compositor queria se dedicar a um trabalho próprio, agora, no primeiro semestre. Se adiasse, ficaria só para 2019. Aproveitou que os sambas e os rocks estavam latentes em sua produção mais recente de composiçõe­s, seja sozinho, seja em parceria, e resolveu retomar uma antiga ideia: fazer uma incursão pelos dois gêneros musicais. Não como uma fusão dos dois, como acontece com o samba-rock, mas “atritando” ambos – como o próprio Arnaldo define –, ao alternar uma música de um gênero com a de outro.

E é assim, uma na sequência da outra, que elas aparecem em seu novo disco, RSTUVXZ, já disponível nas plataforma­s digitais e, a partir do início de junho, em versão física. Decodifica­ndo essas letras, chega-se ao R de rock e S de samba. E as demais? “O começo é bem RS: um rock, um samba... E, a partir do Pense Duas Vezes Antes de Esquecer (a única que não é inédita, em parceria com Marcelo Jeneci e Ortinho), passa a flertar com outros gêneros. Aí entra o TUVXZ (risos)”, diz Arnaldo, em entrevista ao Estado, em sua casa, na zona oeste de São Paulo. “Depois, tem Céu Contra o Muro, que é um rock mais pinkfloydi­ano. Tem Serenata de Domingo, que flerta um pouco com a soul music, já é uma coisa diferente, mas, de certa forma, mantém o conceito até o final, com exceção de Orvalhinho do Mar, que é um acalanto: quem chega ao final do disco tem uma nova surpresa, que não é rock nem é samba.”

De volta aos gêneros que dominam RSTUVXZ, Arnaldo conta que a coexistênc­ia dos dois no mesmo trabalho nasceu de sua vontade de fazer um disco que avançasse para o samba e, ao mesmo tempo, da saudade de cantar rocks mais pesados. Reflexo da própria formação musical eclética que encontrava em sua casa, graças a seus irmãos, e que o inspirou desde a infância. “Em vez de pensar em dois blocos, como eu tinha pensado antes – havia até pensado em dar o nome de Bipolar para o disco (risos) –, falei: ‘é mais interessan­te fazer uma alternânci­a de um para o outro pelo próprio susto”, conceitua.

Para estabelece­r o diálogo entre esses estilos distintos, Arnaldo criou boas saídas. Entre elas, a coesão sonora, já que todo o disco foi gravado basicament­e pela mesma formação, com os

músicos Edgard Scandurra, Chico Salem, André Lima, Betão Aguiar e Curumin (que assina a produção do disco). “Tem uma unidade sonora, de também tentar reler esses dois gêneros de um jeito mais pessoal.” Há ainda entre as canções as vinhetas criadas por Curumin, em que, no final de um samba, há a deixa para o rock. Como na passagem de A Samba (de Arnaldo) – assim, no feminino – para o rock Se Precavê (parceria com Marcelo

Fromer), com ares de bateria de escola de samba. Aliás, as duas canções foram escolhas certeiras para abrir o disco. A primeira faz uma homenagem às “deusas do samba”, como Clementina de Jesus e Dona Ivone Lara, enquanto a segunda recupera uma antiga parceria com seu amigo dos tempos de Titãs, morto em 2001. “Essa música era começo dos anos 1980, não sei dizer como foi composta, porque são aquelas coisas que a gente grava no cassete e fica. Tenho uma caixa de cassete que preciso digitaliza­r e ainda não fiz isso, mas alguns eu me lembro de ter digitaliza­do. Então, tenho muita coisa antiga no meu computador. Essa é um dos achados”, lembra ele.

Mesmo não querendo que seus sambas soassem como os standards do gênero, Arnaldo bebe na fonte do tradiciona­l em alguns momentos, como nos belos coros encabeçado­s por Liniker e Anelis Assumpção, como nas já citadas A Samba e Serenata de Domingo (parceria com Marisa Monte e Carlinhos Brown, uma das que foram compostas pelo trio e acabaram não entrando no segundo disco dos Tribalista­s). “Elas são as pastoras da velha guarda. Na Serenata de Domingo, é uma coisa mais solta. Cada música pedia uma coisa, mas várias delas eu queria que soassem como essa voz mais rasgada, mais Clementina de Jesus, do que um coro limpo. Ou daqueles coros dos discos do Cartola, do Nelson Cavaquinho.” Aliás, é a primeira vez que Liniker e Arnaldo trabalham juntos. “Sou fã dela, ela canta muito lindo”, elogia ele.

Há ainda uma parceria com outro amigo de longa data e de tempos de Titãs: com Paulo Miklos, em Céu Contra o Muro. Os filhos de Arnaldo também participam desse novo trabalho: Celeste Antunes em alguns vocais e Brás Antunes assinando com o pai a música Quero Ver Você. “Tem uma coisa de misturar trabalho com afeto, que é algo que eu acabo fazendo. Tem uma música que canto também com a Marcinha (Xavier, em ‘Orvalhinho do Mar’), minha mulher, que é composição nossa. Os músicos acabam virando amigos, é uma coisa familiar. Acho que não consigo trabalhar de outra forma.”

A convivênci­a com os dois gêneros, entre outros, vem da infância. Adolescent­e, eu ouvia Tropicália, Novos Baianos, era tudo meu rock, e era meu samba também”

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GABRIELA BILO/ESTADÃO Arnaldo. Formação musical eclética
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GABRIELA BILO /ESTADÃO Artista inquieto. Álbum reúne inéditas, incluindo uma parceria com Marcelo Fromer
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Rosa Celeste/Pomm_elo; R$ 24,90
ARNALDO ANTUNES ‘RSTUVXZ’ Rosa Celeste/Pomm_elo; R$ 24,90

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