O Estado de S. Paulo

União Europeia em alerta

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Anomeação de Giuseppe Conte como o novo premiê italiano não bastou para pôr fim à crise política derivada do impasse para a formação de uma coalização de governo após o resultado das eleições para a Câmara e o Senado, ocorridas em março. Naquela ocasião, nenhum partido ou coligação saiu das urnas com força suficiente para indicar o primeiro-ministro.

A bem da verdade, a escolha de Conte, um advogado e acadêmico sem qualquer experiênci­a em política partidária, foi reflexo da falta de lideranças na chamada política tradiciona­l italiana. Tal é o dissenso entre as legendas que foi necessário recorrer a um neófito para que a Itália não continuass­e sem governo. Não adiantou.

Apenas quatro dias após ter sido designado pelo presidente Sergio Mattarella para formar um governo, Giuseppe Conte renunciou à incumbênci­a diante da forte resistênci­a do presidente em aceitar a nomeação de Paolo Savona como o novo ministro da Economia. Savona é conhecido por suas posições contrárias ao euro, o que, não sem razão, preocupa Sergio Mattarella e outras lideranças da União Europeia (UE).

“Se o professor Savona não pode ser ministro porque tem o defeito de defender os cidadãos italianos, pondo em discussão as regras europeias, então sou eu quem saio do governo e levo Paolo Savona”, disse Matteo Salvini, líder da Liga Norte, partido de extrema direita que forma com o partido “antissiste­ma” Movimento 5 Estrelas (M5S) a coalização responsáve­l pela indicação de Giuseppe Conte.

Tanto Matteo Salvini como Luigi di Maio, um dos líderes do M5S, negociam com o presidente Sergio Mattarella uma solução para o impasse político. A realização de novas eleições não está descartada.

Pouco após a renúncia de Conte, o presidente italiano convocou o economista Carlo Cottarelli para organizar um governo de transição. Em nota oficial, Sergio Mattarella disse que pediu para uma “pasta estratégic­a” (o Ministério da Economia) um “expoente político”, não “um defensor da saída da Itália do euro”, o que implicaria “risco para a poupança dos italianos”.

Carlo Cottarelli é respeitado por seu trabalho no Fundo Monetário Internacio­nal (FMI) e pelos ajustes que promoveu na economia italiana durante o governo de Enrico Letta, em 2013. Sua indicação deverá acalmar todos os que estão preocupado­s com os rumos da quarta maior economia da UE.

A coalização formada pelo M5S e pela Liga Norte, responsáve­l pela indicação de Giuseppe Conte, ainda constitui importante ator político, mesmo após a renúncia. A formação do novo governo passará por negociaçõe­s com este bloco. Nas eleições de março, o M5S foi a legenda que obteve o melhor desempenho individual, com 36,2% dos votos. A Liga Norte obteve 17,4% dos votos, acima da Forza Itália (14%), do ex-premiê Silvio Berlusconi.

Tanto o M5S como a Liga Norte se caracteriz­am por um forte viés populista em suas propostas e por adotarem uma posição anti-União Europeia.

A preocupaçã­o com a ascensão do populismo no continente europeu não é nova, mas agora chega ao coração da UE. A Itália é o primeiro país do grupo que assinou a formação do bloco a ver a ascensão de uma coalização populista.

O assim chamado “contrato governamen­tal” assinado entre o M5S e a Liga Norte está repleto de propostas de cunho populista, como corte de impostos, abandono de uma necessária reforma previdenci­ária na Itália – país com a população mais idosa da Europa – e a criação de um programa que pretende pagar ¤ 780 por mês a aposentado­s e pessoas de baixa renda. O custo para a concessão desse benefício está estimado entre ¤ 100 milhões e ¤ 170 milhões por ano. Estas propostas deverão ser revistas por Carlo Cottarelli.

A Itália deve ¤ 2,3 trilhões, cerca de 132% de seu Produto Interno Bruto. É a segunda maior dívida da Europa, atrás da Grécia. Com razão, a União Europeia deve se preocupar com a fonte de financiame­nto da agenda política do governo italiano. Uma séria crise econômica na Itália tem potencial para afetar todo o bloco europeu.

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