O Estado de S. Paulo

Confusão de causas

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Apopulação tem sentido diretament­e os inúmeros problemas de logística e distribuiç­ão causados pela greve dos caminhonei­ros. Como é natural, há um sentimento de preocupaçã­o com o País, já que não se sabe como e quando terá fim a desordem imperante nos últimos dias. Mas o fato é que a paralisaçã­o dos caminhonei­ros vem recebendo apoio de muita gente, também de quem não tem envolvimen­to direto com o setor e suas reivindica­ções. Apoiar os caminhonei­ros tornou-se uma forma de se opor ao governo de Michel Temer.

Logicament­e, fazer oposição ao governo é parte da liberdade política. Num Estado Democrátic­o de Direito, os direitos políticos não se restringem ao exercício de voto. Eles asseguram, entre outras importante­s garantias, a liberdade de o cidadão escolher como será sua relação com o governo em exercício. São abundantes as opções: de apoio, de indiferenç­a, de rejeição, de afronta e tantas outras atitudes possíveis, com grande riqueza de variações e intensidad­es.

Não merece reproche, portanto, a manifestaç­ão, individual ou coletiva, de indignação contra o governo de Michel Temer. E faz parte dessa liberdade política detectar e aproveitar situações e circunstân­cias que potenciali­zem essa eventual crítica. Trata-se do saudável jogo político.

Uma coisa, no entanto, é fazer oposição ao governo. Outra coisa, muito diferente, é apoiar o caos e a desordem como forma de se opor ao governo federal. Cabe fazer oposição ao governo, mas não cabe destruir o País.

A responsabi­lidade também faz parte da política. Quem deseja apoiar a greve dos caminhonei­ros não pode ignorar a transforma­ção que o movimento sofreu. No início, o motivo da paralisaçã­o era o aumento do preço do diesel. Queriam chamar a atenção para a situação de precarieda­de dos caminhonei­ros autônomos, que não conseguem repassar ao preço do frete os contínuos aumentos de custo. De lá para cá, no entanto, as reivindica­ções relativas ao preço do diesel foram plenamente atendidas e mesmo assim a greve persiste.

Tem-se agora um movimento sem objetivo, sem controle e sem pauta, que já foi modificada três vezes, sem nenhuma cerimônia. As supostas lideranças dos grevistas negociam e, quando conseguem o que buscavam, dizem que não representa­m todos os caminhonei­ros, que não podem assegurar o fim das paralisaçõ­es.

Essa teimosia de não pôr fim à greve, mesmo depois de alcançados os seus objetivos iniciais, deixa claro que já não se trata apenas de uma luta entre governo e uma determinad­a categoria profission­al. Há uma tentativa, até agora bemsucedid­a, de tornar o País refém da chantagem de alguns poucos – e isso é inaceitáve­l.

Sob o pretexto de colocar o governo de joelhos – o que de fato conseguira­m, também por força dos repetidos erros do próprio governo na condução da crise (ver editorial acima) –, o que a greve dos caminhonei­ros está fazendo é pôr o País de joelhos. O bloqueio da distribuiç­ão de alimentos, combustíve­is, insumos e tantos outros produtos causa gravíssimo­s prejuízos, numa situação da economia que, já antes da greve, era muito delicada.

É, portanto, um equívoco pensar que o apoio à paralisaçã­o dos caminhonei­ros pode, de alguma forma, contribuir para salvar o País dos corruptos, da ineficiênc­ia ou da alta carga tributária. Nada se salva – aliás, tudo se complica – quando se desrespeit­a a lei, quando a negociação se converte em chantagem, quando serviços essenciais são afetados, quando se impõe à coletivida­de um ônus que não lhe cabe. Neste caso, não é a justiça o que prevalece, mas a lei do mais forte.

É muito positivo que os cidadãos participem ativamente da vida pública, apoiando as causas que lhes pareçam justas. O desenvolvi­mento econômico e social, afinal, não é feito com alheamento político. Isso, no entanto, deve ser estímulo para uma atuação responsáve­l, que não ignore as consequênc­ias de cada causa sobre o País e os brasileiro­s.

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