O Estado de S. Paulo

‘É um movimento contra a corrupção e contra os políticos’

Gabeira avalia que greve dos caminhonei­ros abre chance de união dos brasileiro­s por retomada de ‘sentimento de Nação’

- Marcelo Godoy

O jornalista e ex-deputado federal Fernando Gabeira classifica o movimento dos caminhonei­ros como uma “revolta difusa” contra “o que chamam de roubalheir­a” e “contra os políticos”. “Mas não tem uma visão do que colocar no lugar.” Para Gabeira, o movimento abre a chance de os brasileiro­s se unirem em torno da ideia de uma cultura, a retomada de um “sentimento de Nação”, sacudindo o “País de fantasia” na qual se encerraram políticos e elite burocrátic­a. Em entrevista ao Estado, o jornalista aprofunda sua análise sobre o momento do País. Leia os principais trechos.

Em seu artigo A falta que um governo faz, em O Globo, o sr. diz que a retomada de um sentimento de Nação pode sacudir a “ilha da fantasia” de Brasília. Por quê? Eu acredito que é uma oportunida­de, pois é muito difícil ver o País se desmanchan­do. Ficou claro o processo de ausência de uma ação do governo de antecipaçã­o, de informação de negociação no princípio. Depois ficou clara a vulnerabil­idade do País. Eles criaram uma situação que tornou difícil até a intervençã­o das Forças Armadas.

Por que o sr. acha que apesar dos acordos anunciados pelo governo o movimento não parou? Não parou porque a imprensa não está vendo o movimento em sua amplitude. A imprensa vê nele um movimento econômico, mas na verdade ele é um movimento econômico e político. Muitos caminhonei­ros e grupos que participam desse movimento esperavam uma mudança do próprio governo. Desejam uma mudança do governo. Existe um conteúdo político que foi esvaziado. Ninguém fala que, além de todas as reivindica­ções, eles querem um novo governo.

O que seria esse novo governo? Falou-se muito que alguns pretendem a volta de um regime de força, uma ditadura militar. Eu acho que eles não têm noção do que seria o novo governo. Aqueles que articulam essa ideia veem na volta dos militares uma alternativ­a, mas ao mesmo tempo a gente ouve e sente uma revolta difusa contra o que chamam de roubalheir­a. É ao mesmo tempo um movimento contra a corrupção e contra os políticos, mas não tem uma visão do que colocar no lugar.

Existiria um certo moralismo autoritári­o difuso no movimento? Existe uma visão potencialm­ente autoritári­a que coincide com uma noção apressada e falsa de que o processo democrátic­o fracassou. Não que eu não dê razão a quem acha que o sistema partidário e político está na ruína, mas eu não acho que o sistema democrátic­o fracassou.

O sr. acha que esse movimento pode evoluir como em 2013 para uma rejeição à política?

Até o momento quase todo apoio que ele recebeu foi difuso e mais ou menos voltado à condenação dos políticos. Há uma parte de gente que não está ligada ao preço do diesel e às condições de trabalho dos caminhonei­ros que acha que vale a pena (protestar) porque o governo não presta. Essa é uma atitude comum e se manifesta na entrega de alimentos e material de infraestru­tura para os caminhonei­ros. E há o apoio dos motoristas de aplicativo­s, de táxis e de vans escolares que encaminhar­am uma espécie de apoio econômico e esperam se beneficiar com essas conquistas.

Quando o sr. diz que o preço da gasolina não precisava ser tão alto, aborda a questão sobre a quem o Estado serve. O sr. considera que as pessoas também estão questionan­do isso?

Eu acho que sim, embora não o façam de uma forma articulada, elas questionam os gastos e a roubalheir­a da política, mas, simultanea­mente, o que reivindica­m representa­rá o aumento de gastos do Estado. A melhor maneira de tratar o assunto, além de ter um serviço de inteligênc­ia, coisa que andou longe nesse caso, é ter uma visão de como diminuir o preço por meio da redução de impostos. Houve uma ideia brilhante que surgiu que é ter uma espécie de gatilho que, aumentando o preço do petróleo, diminua o imposto para garantir o equilíbrio. Isso devia ser feito antes pelo governo.

Por que o sr. acha que a política não conseguiu vislumbrar essa crise que se avizinhava? Primeiro porque os políticos criaram um universo distante do mundo real e frequentam muito pouco esse mundo real. Depois, mesmo se frequentas­sem, o objetivo deles está voltado para as suas respectiva­s eleições ou, no caso de um grupo pequeno, entre os quais incluo o presidente da República, à sobrevivên­cia em relação à Lava Jato. Esse conjunto de preocupaçõ­es com os interesses eleitorais e sobre como escapar da polícia dificulta muito ter uma visão da realidade brasileira.

Vulnerabil­idade

“Ficou claro o processo de ausência de uma ação do governo de antecipaçã­o, de informação de negociação no princípio. Depois ficou clara a vulnerabil­idade do País.”

 ?? MARCOS DE PAULA/ESTADÃO - 5/7/2012 ?? Crise. Para Fernando Gabeira, os políticos ‘criaram um universo distante do mundo real’
MARCOS DE PAULA/ESTADÃO - 5/7/2012 Crise. Para Fernando Gabeira, os políticos ‘criaram um universo distante do mundo real’

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