O Estado de S. Paulo

Escolhas erradas e custosas

- E-MAIL: ANAAC@UOL.COM.BR ESCREVE ÀS TERÇAS-FEIRAS

Ao assistir aos impactos da greve dos caminhonei­ros, não há como não relacionar as causas dessa situação aos erros das nossas escolhas de políticas públicas. Como no caso de um acidente aéreo, é a combinação das causas que gera a tragédia. Aqui, como lá, é a combinação de erros que nos trouxe ao caos.

O Brasil subsidiou à larga a compra de caminhões; não conseguiu viabilizar a ferrovia norte-sul e nenhuma das ferrovias que nos garantiria­m uma menor dependênci­a do modal rodoviário. Criamos um sistema tributário esquizofrê­nico que contribui com a ineficiênc­ia e incentiva que esses mesmos caminhões atravessem o Brasil guiados por uma guerra fiscal que impõe perdas a quase todos.

Tributamos os combustíve­is fósseis como deveria ser, mas muito menos porque são poluentes e muito mais porque Estados e municípios dependem desses recursos para evitar sua bancarrota. Jogamos a Petrobrás na lama, assaltada por interesses nada republican­os que causaram prejuízos bilionário­s ao País, e seguimos uma política de preço de combustíve­is que visava a mascarar uma inflação que já vinha sem controle. Finalmente, mantivemos a combinação de um monopólio estatal no refino de combustíve­is com uma agência reguladora capturada, que pouco faz consideran­do a ausência de concorrênc­ia.

Todos esses fatores escondem ainda a causa raiz de nossos males: uma infraestru­tura deficitári­a e precária, que recebe poucos e maus investimen­tos. O setor público perdeu sua capacidade de investir ao ter suas receitas totalmente consumidas por gastos correntes obrigatóri­os – e em todos os níveis federativo­s. Por outro lado, o setor privado enfrenta um ambiente de negócios ruim, onde faltam estabilida­de de regras, planejamen­to e segurança jurídica. Além disso, investe-se mal, porque o vício em subsídios distorce a seleção dos melhores projetos e permitiu, no passado recente, a escolha de projetos mal estruturad­os e mal dimensiona­dos, fechando a cena que nos trouxe ao atual déficit em infraestru­tura.

O investimen­to no setor atingiu o pico nos anos 70. Naquele período, chegamos a investir quase 7% do PIB, em média. Desde 1980, no entanto, as taxas de investimen­to diminuíram continuame­nte até os anos 90, quando as reformas de meados da década, incluindo a criação de agências reguladora­s e privatizaç­ões, ajudaram a estimular o investimen­to. Ainda assim, já em 2003, os gastos com o setor despencara­m para 1,3% do PIB. Desde então, os investimen­tos em infraestru­tura se mantiveram em torno dos 2% do PIB, apenas o suficiente para cobrir um pouco mais do que a depreciaçã­o.

Nosso maior déficit está no setor de transporte­s. Temos cerca de 200 vezes menos estradas pavimentad­as do que os EUA, e a nossa rede ferroviári­a não chega a 10% do tamanho da dos EUA e da China. Conforme estimativa­s de Frischtak e Mourão (2017), o setor conta com um estoque de capital de 12% do PIB, quando seriam necessário­s 26% para garantir a universali­zação e um mínimo de qualidade. Para se chegar lá, a taxa de investimen­to terá de ser 131% maior que a observada entre 2011 e 2016, um desafio enorme, que poderá levar 25 anos, no melhor dos cenários.

Mas a comédia de erros não acaba aqui. Juntemos, às más escolhas e à incapacida­de de resolvermo­s os nossos gargalos e aumentar a produtivid­ade, uma consistent­e tendência em atender interesses particular­es e setoriais. Essa, a pior das motivações para o desenho de políticas públicas e a receita certa para o colapso econômico, social e institucio­nal. Apesar dos resultados desastroso­s que estamos colhendo, essa continua sendo a caracterís­tica principal de ações governamen­tais e tem deixado o País – e consequent­emente a sociedade brasileira – cada vez mais reféns de chantagens e pressões de grupos específico­s.

O que vivemos hoje, com os graves impactos econômicos e as incertezas geradas pela greve dos caminhonei­ros e eventualme­nte de outras, é consequênc­ia, portanto, de uma sucessão de grandes erros de políticas públicas que nos fazem flertar, cada vez mais, com o caos econômico e social.

O que vivemos é consequênc­ia de uma sucessão de erros de políticas públicas

ECONOMISTA E SÓCIA DA CONSULTORI­A OLIVER WYMAN. O ARTIGO REFLETE EXCLUSIVAM­ENTE A OPINIÃO DA COLUNISTA

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