O Estado de S. Paulo

Greve dos caminhonei­ros: quem paga?

- JOSÉ PASTORE E EDUARDO PASTORE

Constatado o caráter disperso, descentral­izado e baseado no WhatsApp, pode-se argumentar que o movimento dos caminhonei­ros não foi uma greve típica, marcada pelo cabo de guerra entre empregados e empregador­es e intermedia­do por sindicatos laborais e empresas. Nem por isso se pode ignorar as inúmeras ilegalidad­es praticadas pelos participan­tes. A começar pelas empresas transporta­doras que, segundo o artigo 722 da CLT, estariam proibidas de fazer lockout – uma vez comprovado.

Em seguida vem a infração ao artigo 10 da mesma lei (que disciplina a paralisaçã­o de serviços ou atividades essenciais) que, no Inciso I, se refere explicitam­ente à distribuiç­ão de combustíve­is. E, para completar, houve os delitos praticados contra o direito de ir e vir, assim como a ocupação indevida e o bloqueio de estradas e refinarias por meio de piquetes violentos.

Com isso, os responsáve­is colocaram em risco a sobrevivên­cia, a saúde e a segurança da população, o que é proibido pelo parágrafo único do artigo 11 da CLT. E o artigo 15 estabelece que os responsáve­is estão sujeitos a sanções fixadas na legislação trabalhist­a, civil e penal.

Com todas essas previsões legais, foi estranha a omissão do Poder Executivo, do Ministério Público Federal e do Trabalho que deveriam ter acionado imediatame­nte o Poder Judiciário para julgar e penalizar os infratores. O acionament­o do Supremo Tribunal Federal foi tardio e sem muita convicção quando se observa agora o aceno do governo para perdoar as multas e penalidade­s cabíveis.

A omissão e a complacênc­ia apontadas foram muito graves porque elas estimulara­m a prática da chantagem na escalada das demandas dos infratores e, em última análise, simbolizar­am a senha para a detonação de novas paralisaçõ­es impunes.

O custo dessa greve é astronômic­o. Cláudio Considera estimou em R$ 100 bilhões (Início da retomada pode se reverter, Estadão, 29/5/2018). E as perdas não param aí. Tem-se pela frente a elevação de preços em decorrênci­a da escassez dos produtos. E a maior de todas as perdas é o abalo da confiança dos agentes econômicos que suspendem as decisões de investir quando veem que as autoridade­s não implementa­m as leis.

No mundo inteiro, paralisaçõ­es de transporte e de serviços essenciais são cercadas de muito rigor para garantir a necessária proteção ao povo. Quando os ilícitos são praticados a céu aberto, como no caso em tela, pergunta-se: quem paga os prejuízos causados pelas flagrantes ilegalidad­es?

Agora, os petroleiro­s anunciaram uma greve de advertênci­a de 72 horas. Neste caso, porém, a Advocacia-Geral da União e a Petrobrás entraram prontament­e com uma ação cautelar na Justiça do Trabalho para lembrar os grevistas de que a produção e refino de combustíve­l são também atividades essenciais capitulada­s na Lei 7.783/1989. O Tribunal Superior do Trabalho prontament­e declarou a greve abusiva e estipulou multas expressiva­s para os infratores que insistirem na greve.

Em uma sociedade livre não é possível obrigar as pessoas a trabalhare­m contra a sua vontade, mas é inadmissív­el que venham a colocar em risco a sobrevivên­cia, a saúde e a segurança das pessoas e, impunement­e, causar prejuízos irreparáve­is às empresas, à economia e à imagem do país. É assim que funciona o Estado de Direito. A greve dos caminhonei­ros ocorreu dentro de um país que parece não ter lei e nem autoridade para serem respeitada­s. Esse não é o caminho para atrair investimen­tos e gerar empregos.

É inadmissív­el colocar em risco a sobrevivên­cia, a saúde e a segurança das pessoas

SÃO, RESPECTIVA­MENTE: PROFESSOR DA UNIVERSIDA­DE DE SÃO PAULO E MEMBRO DA ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS; E ADVOGADO TRABALHIST­A. AMBOS SÃO MEMBROS DO CONSELHO DE EMPREGO E RELAÇÕES DO TRABALHO DA FECOMERCIO-SP

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