O Estado de S. Paulo

A dívida e o ralo

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Osetor público tem sido incapaz de gerar, nas contas primárias, sobras para liquidar pelo menos parte dos juros. E as sobras, quando aparecem, logo somem no ralo dos gastos obrigatóri­os.

Campeão da dívida pública entre os emergentes, o Brasil fechou o mês de abril com o governo geral pendurado em R$ 5,04 trilhões, soma equivalent­e a 75,9% do Produto Interno Bruto (PIB). No fim do ano a proporção era de 74%. O peso do endividame­nto cresce mês a mês porque o setor público tem sido incapaz de gerar, nas contas primárias, sobras suficiente­s para liquidar pelo menos parte dos juros. Sobras aparecem, de vez em quando, nos melhores momentos, mas logo somem no ralo dos gastos obrigatóri­os. O maior gasto desse tipo, sempre crescente, é o previdenci­ário. As contas primárias (sem a despesa financeira) têm ficado em vermelho, ano a ano, desde 2014, fim do primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff.

A recuperaçã­o econômica, embora vagarosa, tem permitido aumento da arrecadaçã­o desde o ano passado. Em abril deste ano a receita do governo federal, descontada­s as transferên­cias a Estados e municípios, foi 7,4% maior que a de um ano antes, deduzida a inflação. O dado é do Tesouro Nacional. De janeiro a abril a arrecadaçã­o líquida chegou a R$ 423,51 bilhões e superou a dos primeiros quatro meses de 2017 por 7,5% reais, isto é, eliminada a variação de preços. A despesa, no entanto, atingiu R$ 428,96 bilhões e o resultado primário foi um déficit de R$ 5,45 bilhões. Foi 27,8% menor que o do ano anterior, mas, de toda forma, ainda faltou dinheiro para atender pelo menos a uma fração da dívida.

Tesouro Nacional e Banco Central, somados, foram no entanto superavitá­rios, com sobra financeira de R$ 55,76 bilhões. Esse resultado, produzido basicament­e pelo Tesouro, reflete apenas em parte o aumento de receita proporcion­ado pela reativação econômica. A melhora decorreu também do esforço de contenção de gastos. Mas esse esforço foi mais que neutraliza­do pelo buraco previdenci­ário.

O déficit da Previdênci­a chegou a R$ 61,21 bilhões. Foi 14,5% maior que o de um ano antes. Com isso, as contas do governo central chegaram deficitári­as ao fim dos primeiros quatro meses, embora tenha havido em abril um superávit sazonal de R$ 7,19 bilhões.

Todos esses números foram calculados pelos critérios do Tesouro e mostram a diferença entre receitas e despesas livres de custos financeiro­s. Também o Banco Central (BC) publica mensalment­e um relatório sobre as contas públicas. Nesse relatório, o resultado primário correspond­e à necessidad­e de financiame­nto de cada nível da administra­ção. Com essa diferença de critério, o resultado primário do governo central, no período de janeiro a abril, foi um déficit de R$ 2,65 bilhões, menos negativo que o apontado nos cálculos do Tesouro. Mas o conjunto tem as mesmas caracterís­ticas, com o déficit previdenci­ário (R$ 61,21 bilhões) engolindo o superávit contabiliz­ado nas operações do Tesouro.

Pelos cálculos do BC, o setor público, formado por governos central, estaduais e municipais e parte das empresas estatais, teve superávit primário de R$ 7,29 bilhões em quatro meses, graças à sobra de Estados e municípios (R$ 10,63 bilhões). Mas o resultado nominal (com os juros) foi deficitári­o, com resultado negativo de R$ 111,56 bilhões de janeiro a abril. Em 12 meses o buraco foi de R$ 499,25 bilhões, soma correspond­ente a 7,51% do Produto Interno Bruto (PIB). A média estimada para as economias avançadas é inferior a 3%.

Com déficit nominal crescente, aumenta o peso do endividame­nto público sobre a economia. A dívida bruta do governo geral, formado pelos três níveis da administra­ção, alcançou 75,9% do PIB, pelo critério do governo brasileiro. Se a conta incluir papéis do Tesouro detidos pelo BC, a soma passará de 80% do PIB. Por esse critério, a média para países emergentes é próxima de 50%.

De qualquer ângulo o Brasil sai mal na foto, quando se trata de finanças públicas. Será um argumento para ajustes e reformas? Muitos políticos preferem rasgar a foto. Alguns se dizem progressis­tas e atribuem à gastança inflacioná­ria o poder mágico de gerar cresciment­o e emprego. Os fatos desmentem essa bobagem, como desmentira­m na gestão petista, concluída com a maior recessão da era republican­a. Mas quem se importa com fatos?

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