O Estado de S. Paulo

Um mês após tragédia, 126 famílias vivem no Paiçandu

Habitação. Amontoadas em barracas, em meio ao lixo e sem acesso a geladeira e banheiro, 126 famílias pedem ajuda. Prefeitura diz já ter atendido maioria das vítimas do incêndio no Wilton Paes; mas admite que até quem já recebe auxílio se mantém na praça

- Bruno Ribeiro

Um mês após o incêndio e desabament­o no centro, 126 famílias ainda estão acampadas no Largo do Paiçandu à espera de ajuda para moradia. Segundo a Prefeitura, não há comprovaçã­o de que todas viviam no edifício. Há 77 casos que estão sob análise e podem vir a receber o benefício. Sete pessoas morreram na tragédia.

Passado um mês do incêndio e desabament­o do Edifício Wilton Paes de Almeida, que deixou sete mortos no centro de São Paulo, ainda não há solução oficial à vista para o acampament­o de sem-teto que surgiu na sequência no Largo do Paiçandu. Segundo dados da própria Prefeitura, 126 famílias, algumas com até cinco crianças, se amontoam em barracas, em meio a lixo e roupas sujas.

“A gente fica aqui e eu estou esperando que venham dar moradia para a gente. Disseram que vão dar no dia 13”, disse a desemprega­da Deise da Silva Rodrigues, de 32 anos, mãe de cinco filhos, a mais nova ainda sendo amamentada, ao repetir alguns dos boatos que correm entre as barracas.

Deise já recebe auxílio-moradia da Prefeitura, por ter perdido a casa em um incêndio ocorrido na Favela do Moinho, na Barra Funda, há três anos. Usava parte do dinheiro para viver na ocupação. Ao perder o lar para o fogo pela segunda vez, tenta sobreviver mantendo as crianças perto de vista e esperando ajuda pública.

A Prefeitura admite que existe um impasse sobre o atual acampament­o e destaca que a maior parte das vítimas da tragédia já foi atendida. O posicionam­ento foi dado com base em visitas da Assistênci­a Social concluídas um mês antes do incêndio, nas quais foram cadastrada­s 171 famílias no local – com vistas a uma futura desocupaçã­o. Do cadastro prévio, 144 famílias foram localizada­s. “Algumas já vão receber o segundo cheque (de R$ 400 de auxílio-aluguel)”, disse o secretário da Habitação, Fernando Chucre.

As 126 famílias atualmente no Largo não estão nessa lista. Para elas, “o que a Prefeitura pode fazer é todo dia ir lá oferecer abrigament­o”. “É a ferramenta que temos”, ressaltou Chucre.

Por noite, a Prefeitura paga 60 pernoites para vítimas do incêndio. E soluções menos negociadas estão fora da mesa. “Existem garantias individuai­s de que o cidadão pode permanecer nos lugares. Não tenho, como força de Estado, falar ‘vem aqui e saí’”, disse o secretário da

Segurança Urbana, José Roberto Rodrigues.

Experiênci­a. “Nesse tipo de caso, é comum que você tenha um acidente que envolva 100 (pessoas) e apareçam 300 se dizendo morador”, afirmou o secretário, ao justificar a decisão. Mas Chucre admite que parte da ocupação do Wilton tinha famílias com “perfil transitóri­o” – o que é um complicado­r.

“Uma família em algum momento pode ter passado por aquele edifício por um dia, uma semana, por um período indetermin­ado. Não temos controle sobre esse período.” Por causa disso, segundo ele, há 77 casos que estão sob análise, e deverão receber o benefício a partir do mês que vem.

Mesmo assim, a inclusão nos programas não é garantia de que o acampament­o se desfaça. Há 26 famílias, por exemplo, que estão recebendo o benefício e permanecem lá, conforme a própria administra­ção municipal. “A única coisa que quero é trabalhar. Sou segurança. Mas preciso ter um endereço para dar para o patrão”, diz Keliane Mendes da Costa, de 34 anos, que já trabalhou como manicure e como segurança.

Como ela, muitos usam o benefício municipal como “um complement­o de renda”, nas palavras do secretário. Não existe auditoria sobre os valores ofertados, e a Prefeitura também não indica moradias para as quais pessoas possam se dirigir.

A rotina. As famílias de sem-teto passam o dia na praça, em barracas de camping doadas. Varrem a sujeira de um lado para o outro, fazem “gatos” (ligações irregulare­s) nos postes de iluminação para terem tomadas para os celulares e se dividem em uma cozinha coletiva. Essa está repleta de sacos de arroz e de feijão também doados. Mas não há nenhuma geladeira – “e aí não tem mistura”, segundo uma das moradoras. Também não há banheiros com água corrente nem chuveiros, o que faz cada um se virar como pode para a higiene pessoal.

O ritmo de doações vem caindo. Os moradores só não sabem se é por causa da greve dos caminhonei­ros – “ou pelo fato de as pessoas estarem nos esquecendo” – como dizem alguns.

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VALERIA GONCALVEZ/ESTADÃO Improviso. Acampament­o, cheio de crianças, não tem banheiro nem energia
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FOTOS VALERIA GONCALVEZ/ESTADÃO Apreensão. Crianças brincam no acampament­o de barracas doadas; ação solidária diminuiu
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À espera. ‘A única coisa que quero é trabalhar’, diz Keliane

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