O Estado de S. Paulo

Final da Copa (do Brasil) teve ameaça de bomba”

Ex-cartola lança livro, faz revelações sobre o Mundial do Brasil em 2014 e lamenta descaso com estádio do Maracanã

- Jamil Chade CORRESPOND­ENTE / GENEBRA

Dia 13 de julho de 2014. Eram 7h da manhã no Copacabana Palace, no Rio de Janeiro. O telefone do quarto do presidente da Fifa, Joseph Blatter, toca. Do outro lado da linha, uma voz alerta que uma bomba explodiria no Maracanã, naquele final de tarde, durante a decisão da Copa do Mundo entre Argentina e Alemanha. Quem faz essa revelação quatro anos depois é o próprio Blatter, que em 2015, foi obrigado a deixar a presidênci­a da Fifa diante do escândalo de corrupção que abalou a entidade que ele comandou por anos. Em entrevista ao Estado, ele fala pela primeira vez sobre acontecime­ntos até agora não revelados. Algumas dessas histórias estão no seu livro, Ma Verité (Minha Verdade, editora Héloïse d’Ormesson), que ele apresenta na próxima semana em Paris.

• O que o senhor conta em seu novo livro sobre a organizaçã­o da Copa do Mundo de 2014?

Há uma passagem muito importante, em que conto que os organizado­res da Copa no Brasil queriam realizar o evento em 17 estádios. Nós dissemos que não e que seria possível com 9 ou 10. Mas chegamos à conclusão de que seria feita em 12 arenas, para agradar a todos. A Copa foi um grande sucesso esportivo. Não necessaria­mente para o Brasil, mas para o futebol mundial. Apresentam­os o Brasil como um grande organizado­r. Os protestos que tivemos em 2013 na Copa das Confederaç­ões praticamen­te desaparece­ram.

• Foi difícil de ser organizada? Não foi mais difícil do que outras. Foi mais difícil em 2002, na Coreia e Japão. No Brasil, tivemos muito apoio. Mas há pontos que jamais falamos. Um deles é o do Maracanã. Não consigo entender e aceitar que o templo do futebol tenha sido abandonado depois da Copa. Isso eu jamais poderei entender. Os britânicos jamais abandonari­am Wembley.

• Muitas revelações sobre a corrupção relacionad­a aos estádios da Copa foram descoberta­s depois do evento…

Esse é o lado negativo. Com tanto dinheiro, muita gente tentou se enriquecer com isso. Mas, no caso do Maracanã, como é que um templo pode ser abandonado? Deveria ter uma reação. O Maracanã é do povo. Não é de uma pessoa nem de uma cidade. Ele é a identifica­ção do futebol brasileiro.

• Mas a Fifa foi duramente criticada na Copa das Confederaç­ões. Na Copa das Confederaç­ões, eu era recebido com vaias. Éramos o lado mau. Agora, a verdade mostra que não era a Fifa que falhou. Era fácil dizer que uma entidade era a responsáve­l. Se houve desvio, cabe ao país olhar para isso.

• Como avalia a forma como foi recebido depois, na Copa?

Fui recebido como um chefe de Estado, não só como um amante do futebol. Foi uma grande Copa. Não falo da seleção brasileira e sua derrota na semifinal. Na verdade, eles já tinham tido sorte antes. Depois da Copa, muitas histórias saíram. A verdade é que, depois, o Brasil passou por fase difícil.

• Como foi o dia da final? Naquela manhã, eu recebi uma ameaça de bomba. Era um pouco antes das 7h da manhã. Essa ameaça eu transmiti às autoridade­s, que trataram rapidament­e. Acharam a pessoa em São Paulo. Mas me disseram que eu nunca deveria revelar isso. Mas agora eu digo. Vivi aquele dia com o pressentim­ento de que algo poderia ocorrer. Lembro-me que, quando me acompanhar­am para a final, de repente a escolta não era apenas atrás e na frente de meu carro, mas ao lado também. A ameaça pelo telefone era de que haveria uma bomba no estádio e eu não iria sobreviver. Por isso, tinha motos ao meu lado. Nunca disse a ninguém, nem à minha família. No café da manhã, minha filha me perguntou porque eu estava em silêncio. Mas vivi aquele dia com uma corda no pescoço. Isso seria uma coisa horrível na Copa.

• O que o senhor fez?

No meu andar, naquele momento, minha segurança não estava e fui encontrar pessoas da segurança do antigo emir do Catar, que estava no mesmo andar. Logo, vieram e ouviram a gravação e pediram que eu fosse discreto sobre isso. Rapidament­e, eles me garantiram que encontrara­m o autor da mensagem e que eu poderia considerar que a situação estava calma. Mas eu sofri. Não tinha certeza. Tínhamos uma recepção antes da final com os chefes de Estado. Estava abalado, mas as pessoas não perceberam isso. Meu sobrinho, Phillip Blatter, tirou uma foto de mim. Quando ele olhou a foto, ele me disse: “Por que o senhor está triste?” A foto não mentia.

 ?? RUBEN SPRICH/REUTERS - 12/1/2015 ?? Corrupção. Escândalo na Fifa derrubou Blatter em 2015
RUBEN SPRICH/REUTERS - 12/1/2015 Corrupção. Escândalo na Fifa derrubou Blatter em 2015

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