O problema não é o posto. É o imposto
Não há mais espaço para sacrifícios dos mais pobres, que têm carga tributária da Dinamarca, com retorno social muito inferior
Agreve dos caminhoneiros foi disparada no contexto de uma campanha das grandes distribuidoras de combustível que denuncia a alta carga tributária incidente sobre os combustíveis no Brasil: “O problema não é o posto. É o imposto.”
A participação de entidades empresariais e patronais foi mimetizada com a participação de caminhoneiros autônomos, dando ares de hipossuficiência às reivindicações. Quando se iniciaram as negociações com o governo, a situação ficou mais clara. Alguém já viu caminhoneiro fazer demanda tributária?
A maior tributação sobre os combustíveis é o ICMS, mas, curiosamente, não se viu pressão sobre os governadores dos Estados. Além dos tributos incidentes sobre o combustível, há interesse direto das empresas transportadoras no projeto de reoneração da folha, do qual querem ficar de fora, e manter benefícios fiscais que fazem falta na arrecadação da Previdência Social e propiciam redução no valor do frete (das empresas), provocando concorrência desleal com o caminhoneiro autônomo.
Há que se reconhecer que a reação empresarial se deu em razão de um esgotamento do modelo tributário adotado no Brasil, excessivamente focado no consumo. A carga tributária sobre combustíveis sempre foi alta, mas houve aumento recente das alíquotas do PIS/Cofins (Decreto 9.101/17), com efeito na arrecadação a partir de agosto de 2017. Vale lembrar que na ponta da cadeia estão os consumidores, contribuintes que de fato arcam com o ônus tributário repassado no preço. É uma realidade que não se dá apenas no setor de combustíveis, mas em toda a cadeia produtiva.
A tributação sobre o consumo no Brasil é uma das mais altas do mundo, e atinge com mais intensidade as pessoas de menor renda, cujos parcos recursos são gastos no consumo de bens e serviços. Estudos do Ipea indicam que a carga tributária sobre pessoas com renda de até 2 salários mínimos é de quase 50%, em razão da alta tributação sobre o consumo instituída pela União, Estados e Municípios.
Do outro lado da balança, a tributação sobre a renda no Brasil é baixa quando comparada com países da OCDE. Os profissionais que podem se organizar como PJ e o grupo dos muito ricos têm sobre si uma tributação sobre a renda muito mais suave do que as pessoas físicas. Uma das razões gritantes para isso é a isenção total na distribuição de lucros e dividendos auferidos na PJ. Essa jabuticaba tributária alivia, há mais de duas décadas, o peso da carga tributária sobre os setores mais abastados da sociedade. A hipertrofia do Simples e do Presumido, e os malabarismos utilizados por empresas submetidas ao Lucro Real fazem com que parte dos lucros não seja tributado nem na pessoa jurídica, nem na pessoa física.
Como alguém tem que pagar a conta, tem sobrado cada vez mais ao assalariado (não correção da tabela do IRPF) e aos consumidores em geral (aumento de tributos indiretos) arcar com a parcela não cobrada dos mais ricos.
Uma das propostas defendidas pela Unafisco para enfrentar esse sistema tributário extremamente regressivo é o retorno da tributação sobre a distribuição de lucros e dividendos e sobre as remessas de lucros ao exterior. A medida não depende de alteração constitucional e já teria efeitos positivos na recuperação das contas públicas no curto prazo.
Esperamos que a redução da carga tributária sobre o combustível se concretize e chegue efetivamente na ponta, no custo do transporte, no preço dos alimentos, promovendo, por meio da menor tributação sobre o consumo, o efeito virtuoso na economia.
Se for preciso cobrar mais impostos de alguém, que seja daqueles que possuem maior capacidade contributiva e que foram poupados nos últimos 20 anos. Não há espaço para mais sacrifícios da classe média assalariada e dos mais pobres, que suportam carga tributária da Dinamarca, com retorno social incomparavelmente inferior.