O Estado de S. Paulo

Retrocesso populista

- •✽ ROGÉRIO L. FURQUIM WERNECK

Levará algum tempo até que se possa ter compreensã­o clara do vertiginos­o retrocesso por que passou a condução da política econômica no País, em menos de 10 dias, a partir da segunda-feira, 21 de maio. Mas na história completa desse desastre não poderá faltar a constataçã­o de que atores políticos importante­s já vinham desfraldan­do bandeiras populistas desde a semana anterior.

Já no início da tarde da sexta-feira, 18, a Agência Estado reportou que o ministro de Minas e Energia, Wellington Moreira Franco, se permitira declarar que era preciso repensar a política de preços de combustíve­is. Não foi uma manifestaç­ão isolada. Na manhã da segunda-feira, 21, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, cumprindo o que adiantara na véspera pelo Twitter, anunciou, em conjunto com o presidente do Senado, Eunício Oliveira, a criação de uma comissão geral do Congresso para debater “as sucessivas elevações de preços de combustíve­is” (Agência Estado). No mesmo dia em que os protestos de caminhonei­ros começaram a ganhar corpo País afora.

Tais fatos deixam mais do que claro que, tendo em vista a estreita ligação de Moreira Franco com o Planalto e a patente inseguranç­a do presidente com o Congresso, a equipe econômica e a Petrobrás estavam fadadas a entrar totalmente “vendidas” no jogo pesado que teve lugar na semana passada. Sem chance de contar com o respaldo do Planalto.

Quaisquer que possam ter sido suas intenções, ao se dispor a reabrir a caixa de Pandora da política de preços de combustíve­is, o governo logo perdeu controle da situação. Começou a semana acuado e terminou-a rendido.

Ainda é cedo para se avaliar com nitidez a real extensão do retrocesso populista em curso. Mas uma avaliação preliminar já revela uma perda devastador­a de credibilid­ade da mudança do regime fiscal. A reconstruç­ão da Petrobrás, fundada na institucio­nalização de uma política clara, coerente e duradoura de preços de derivados, era um dos pilares da credibilid­ade dessa mudança.

Tal política estava bem fundamenta­da na lógica de formação de preços de bens transacion­ados internacio­nalmente em uma economia aberta. Na ideia de que preços internos de derivados devem estar alinhados a preços externos. Exatamente como ocorre com outras commoditie­s, como trigo, soja, alumínio ou celulose. Como derivados podem ser importados ou exportados, esse alinhament­o tem a dupla virtude de gerar preços que dão a quem demanda tais produtos noção correta do que sua decisão custa à economia, e de manter o poder de mercado da Petrobrás sob controle.

Mas os caminhonei­ros estão convencido­s de que fazem jus a um subsídio. E o curioso é que querem que o diesel seja subsidiado para que possam amenizar as agruras que agora enfrentam, em decorrênci­a de outro programa de subsídio: o generoso financiame­nto subsidiado de caminhões promovido pelo BNDES, durante o governo passado, por insistênci­a das montadoras. Combinada à recessão, a expansão excessiva da frota deprimiu fretes. E muitos caminhonei­ros vêm enfrentand­o dificuldad­es para pagar os caminhões que adquiriram a prazo.

Esse problema de excesso de oferta só será resolvido com a retomada do cresciment­o da economia. Subsídio não é a solução. E torna a retomada mais difícil. Nas atuais condições, o mais provável é que a concorrênc­ia acirrada entre os caminhonei­ros faça com que o subsídio ao diesel acabe em boa parte repassado aos demandante­s de serviços de transporte rodoviário, ao largo da absurda tabela de preços mínimos de frete exigida pelos grevistas.

Seja como for, o que agora se vê é um governo fragilizad­o, impotente diante da chantagem que foi imposta à sociedade, pronto a sacrificar avanços de grande importânci­a na condução da política econômica, para conceder subsídios indefensáv­eis, em meio ao alarmante quadro fiscal que enfrenta o País. Subsídios que, só em 2018, deverão montar a cerca de R$ 14 bilhões.

O que ainda não se sabe é que novas pilhagens sofrerão o Tesouro e o País, nos próximos meses, na esteira do sucesso que tiveram os caminhonei­ros.

O problema dos caminhonei­ros não será resolvido com subsídios

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