O Estado de S. Paulo

Dividendos em questão

- FERNANDO DANTAS E-MAIL: FERNANDO.DANTAS@ESTADAO.COM FERNANDO DANTAS ESCREVE ÀS SEXTAS-FEIRAS

Uma questão central para o próximo presidente do Brasil é a forma como pretende realizar o ajuste fiscal estrutural sem o qual o País não tem como engrenar uma trajetória de cresciment­o sustentáve­l. Por definição, há duas formas de ajustar as contas públicas: cortes de despesas e aumento da tributação. Evidenteme­nte, o ajuste pode combinar essas duas vertentes.

Como tanto uma quanto a outra são bastante impopulare­s no Brasil de hoje, sempre é meritório quando algum candidato ou seus representa­ntes pelo menos reconhecem que existe um ajuste fiscal a ser feito em 2019. E esse tem sido o caso de Mauro Benevides Filho, um dos principais assessores econômicos do candidato Ciro Gomes.

Economista bem formado e ex-secretário da Fazenda do Ceará por 12 anos, tendo servido a três governador­es, Benevides tem deixado claro que o ajuste fiscal é indispensá­vel. O problema, porém, é que seu foco parece estar mais no aumento de receita do que no corte estrutural de despesas.

Em recente entrevista ao jornal Valor Econômico, Benevides defendeu a tributação de dividendos, mas não distinguiu aqueles que são pagos por empresas de Lucro Presumido ou que declaram pelo Simples – os chamados regimes especiais – dos que são pagos por empresas que apuram resultado pelo Lucro Real.

O economista Renato Fragelli, professor da EPGE, escola de Economia da FGV no Rio, faz uma distinção entre a situação dos dois regimes.

Em relação aos regimes especiais de tributação, ele nota que estes permitem a certos trabalhado­res qualificad­os pagar menos Imposto de Renda do que outros com a mesma qualificaç­ão, mas que são empregados pela CLT. Para Fragelli, os dividendos pagos por essas empresas aos seus acionistas não são renda do capital, mas sim renda do trabalho qualificad­o. Nesse caso, o economista compreende os argumentos a favor de taxar dividendos, já que considera os regimes especiais “uma forma legal de se pagar menos imposto usada por trabalhado­res qualificad­os, como médicos, advogados, consultore­s, jornalista­s, artistas de televisão, entre outros”.

Mas Fragelli vê como um caso totalmente diferente a tributação de dividendos distribuíd­os por empresas médias e grandes que pagam IRPJ sobre o Lucro Real. A típica grande empresa paga IRPJ de 25% sobre seus lucros, isto é, a diferença entre receitas e despesas. Em seguida, sobre o lucro após o pagamento do IRPJ, incide a Contribuiç­ão Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), de 9%. O que sobra é distribuíd­o aos acionistas sob forma de dividendos. Assim, para Fragelli, tributar dividendos distribuíd­os por empresas no Lucro Real seria algo como “cobrar o imposto triplament­e”.

Ele nota ainda que cotistas de fundos de ações e de fundos de pensão já pagam IRPF sobre dividendos, já que, no resgate, o imposto incide sobre a valorizaçã­o da cota, cujo valor sempre cresce na mesma magnitude do dividendo recebido pelo fundo. Dessa forma, a renda do capital dos cotistas seria, a seu ver, tributada pela quarta vez – pelo IRPJ e CSLL na empresa, e pelo IRPF na distribuiç­ão dos dividendos e no resgate da cota – se a proposta de Benevides for entendida como a tributação generaliza­da dos dividendos, sem outras mudanças compensató­rias.

“A tributação de dividendos pagos por grandes empresas teria efeito devastador sobre o mercado de capitais e a previdênci­a complement­ar”, diz o economista.

As ponderaçõe­s de Fragelli indicam que – concorde-se com elas ou não – a questão do ajuste fiscal pelo lado da receita é mais complexa e espinhosa do que pode parecer à primeira vista. É verdade que no Brasil há injustiça no sistema de impostos, com muitos ricos praticando planejamen­to tributário enquanto os pobres são desproporc­ionalmente atingidos pelos altíssimos impostos indiretos. Corrigir esse problema, porém, tem de ser um trabalho cuidadoso, sob o risco de criar novas distorções.

Ajuste fiscal pelo lado da receita é mais complexo do que parece à primeira vista

COLUNISTA DO BROADCAST E CONSULTOR DO IBRE/FGV

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