O Estado de S. Paulo

Maurício Pereira, artesão dos versos

Cantor e compositor lança novo trabalho, ‘Outono do Sudeste’, e entende que seu tempo de criação é outro

- Pedro Antunes

Os olhos curiosos de Maurício Pereira varrem a pequena sala de janelas enormes que dão uma ampla visão da zona norte da cidade. Era fim de uma tarde estranhame­nte ensolarada para a época em São Paulo. Sorri e diz, maroto: “Você quer entender o que é o outono no Sudeste? É isso aqui, ó. Esse céu lindo, esse dia estranho”, conclui.

Ele faz referência ao seu novo disco, de nome Outono no Sudeste, lançado há pouco mais de duas semanas nas plataforma­s de música digital e em formato físico (o CD custa, nos shows, R$ 20). Os shows de estreia serão realizados no teatro do Sesc Pompeia, na zona oeste, neste sábado, 2, às 21h, e domingo, 3, às 18h.

Em visita ao Estado para ser entrevista­do pelo programa Som a Pino, da Rádio Eldorado, apresentad­o por Roberta Martinelli, e pelo programa semanal ao vivo Estadão + Música, transmitid­o pela página do Facebook do Estadão, Pereira encontrou, na vista que se apresentou diante de si, a melhor resposta possível para o conceito que costura o novo trabalho dele. Outono no Sudeste, o disco, é estranho como a meia-estação, de belezas narradas quase cinematogr­aficamente pelo cantautor (expressão usada para dar concisão ao termo “cantor e compositor” e, com isso, explicar o caráter mais autoral e artesão do artista).

Mergulhado na música já tardiament­e, aos 25 anos, Maurício Pereira se vê com um tempo diferente do restante dos artistas que formam a sua cena. Aos 58 anos, entende que não há motivo para ter pressa. Depois de integrar o duo Os Mulheres Negras, ao lado de André Abujamra, com quem tratou de criar uma linguagem própria que flertava com o pop e com a música experiment­al durante os anos 1990, Pereira se descobriu como um contador de histórias, de fato, com o álbum Mergulhar na Surpresa, de 1998. Desde então, vem tratando suas músicas com cada vez mais calma. “Para mim, criar música é um processo bem artesanal, mesmo”, ele explica. “Para quem toca nas rádios, é possível que a música feita seja de consumo rápido, elas podem se dar a esse luxo. A gente que cria como o gotejar de uma pinga caipira precisa ter cuidado.” É graças à prudência dele ao longo dos anos 1990, conta o próprio Pereira, em evitar as ondas mais modernosas da década em seus discos, que os álbuns da época ainda são lembrados, redescober­tos e, por vezes, pedidos durante os shows.

Outono no Sudeste chega quatro anos depois de Pra Onde Eu Tava Indo. O novo trabalho, diferentem­ente do anterior, é mais introspect­ivo e “para dentro”, como ele diz. Culpa disso, talvez, seja o fato de que as canções presentes ali (são 12, no total) possuem origem em momentos diferentes da vida dele. “E, por algum motivo, elas nunca entraram nos outros discos”, conta. Com isso, elas se unem pelo sentimento, mais do que pela proximidad­e temporal de sua feitura.

Com o conselho do filho Martim Bernardes, o Tim da banda O Terno, Pereira procurou Gustavo Ruiz, produtor de talento e irmão de Tulipa Ruiz, para trabalhar em Outono do Sudeste. Desse encontro, de produtor e artista/artesão, surge um disco que resplandec­e como o pôr do sol visto da Vila Ipojuca (para citar um verso de Trovoa, grande clássico do músico, lançada no disco Pra Marte, de 2007), com o tempo seco e uma temperatur­a mais alta do que o normal. Com narrativas, Maurício Pereira puxa o ouvinte para a sua São Paulo, para o seu outono. É incômodo, por vezes, partilha-se algumas dores (as nossas e as deles), mas é delicadame­nte belo.

MAURÍCIO PEREIRA Sesc Pompeia.

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RUI MENDES Melancolia. Álbum encontra beleza no cinza

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