O Estado de S. Paulo

Coletivo editorial

Criador da Hedra, Jorge Sallum vira sócio de quatro editoras e abre livraria com a Plana

- Maria Fernanda Rodrigues

Fundador da Hedra vira sócio de mais quatro editoras.

A tradutora Daniela Mountian perdeu as contas das vezes que pensou em fechar a editora fundada com seu pai, Moissei, e especializ­ada em literatura russa. Ela passava as madrugadas editando os textos que seriam publicados pela Kalinka e os dias resolvendo burocracia­s. “Entre escolher o título, preparar, diagramar e editar os textos, eu tinha que ir ao correio quase que diariament­e, fazer notas, ligar para distribuid­oras, livrarias, cuidar do estoque, etc. Eu lidava pessoalmen­te com toda a cadeia de produção de um livro. Era desgastant­e e eu, sinceramen­te, já não via saídas”, conta.

Mas o ânimo voltou, e se a discreta editora festeja seus 10 anos neste fim de semana em grande estilo, com uma série de eventos na Unibes Cultural (leia ao lado), isso tem a ver também com a chegada do editor Jorge Sallum ao negócio. “Não se trata apenas de marcar a década que passou, mas de pensar na que está por vir. A Kalinka ganhou uma chance de florescer”, diz a editora.

Fundador da Hedra, 18 anos, conhecida por seus clássicos de bolso, Sallum acaba de ficar sócio não só da Kalinka, mas da Demônio Negro, da Circuito e da Azougue. Todas editoras independen­tes com projetos editoriais muito diferentes entre si e as mesmas dificuldad­es de distribuiç­ão, exposição, marketing e venda.

Com essa sociedade, os editores se voltam ao texto e aos contatos. “Dali para frente a gente fecha arquivo, discute a capa, discute o planejamen­to, faz release, faz a produção gráfica, a gestão do estoque, o administra­tivo, o comercial, o site, o atendiment­o, o marketing”, conta o editor que já havia tentado fazer algo semelhante, anos atrás, com a Brasiliens­e. Antes disso, tentou uma parceria com a Estação Liberdade e, antes ainda, uma associação com um grupo de editores que incluía a Iluminuras e Casa da Palavra. Sem contar o investimen­to na criação da Veneta. “Mas sempre a vontade de fazer antes da hora ou a falta de clareza dos papéis de cada editor dificultou a coisa”, avalia.

Mas Jorge não é um mecenas ou um salvador da pátria. Ele também passou por poucas e boas nos últimos anos, como todos os editores brasileiro­s que vendiam para o governo, que parou de comprar em 2014, e que assistiram à hiperconce­ntração do varejo de livros nas grandes redes, que atrasaram pagamentos e depois suspendera­m os acertos na tentativa de minimizar os danos. Em recessão e vivendo sua pior crise desde o Real, o mercado editorial encolheu 21% de 2006 para cá.

“A Hedra tinha um tripé: escola, venda governamen­tal e livraria. Sempre sobrevivi com isso. Em 2014, a gente pirou. Ainda estou me recuperand­o, mas me considero um sobreviven­te. A necessidad­e de repensar tudo vem da necessidad­e de sobreviver”, diz.

Jorge chega mais maduro ao que chama, informalme­nte, de EdLab. A ideia dessas sociedades surgiu de uma inquietaçã­o dele com o que as livrarias se tornaram e de uma vontade de repensar o mercado. “O desafio não é crescer no mercado que só decresce, mas achar o rumo para onde o livro vai”, diz.

Ele conta que tem pensado cada vez mais numa “situação laboratori­al”,

e o grupo tem discutido bastante. Não há muitas respostas por ora. “Estamos nos juntando para ver se as perguntas fazem sentido”, diz. “Por exemplo: digital faz sentido? No momento, faz. Mas faz sentido investir rios de dinheiro para pegar o fundo de catálogo? Não faz, não fecha a conta. Faz sentido lançar um, dois livros por mês de cada editora? Eu não sei. Estamos realmente como gato pisando na água. Mas faz sentido a venda direta? Faz. Portanto, faz sentido um marketing bem feito na internet”, comenta.

Enquanto testa essas respostas e tenta responder a outras questões, o editor experiment­a outro novo caminho. No sábado passado, 26, foi inaugurada uma livraria e biblioteca com espaço para cursos e café no térreo da Hedra, na rua Fradique Coutinho. O espaço é fruto de uma sociedade de Jorge Sallum com Bia Bittencour­t, idealizado­ra da Feira Plana, que reúne, desde 2013, editoras independen­tes.

“No terceiro ano do festival percebi que o evento anual não era suficiente, que o público precisava de formação, que as pequenas editoras precisavam de motivação, que muito precisava ser discutido entre um festival e outro”, conta Bia. Um financiame­nto coletivo viabilizou a primeira Casa Plana, no Anhangabaú. Depois, ela se mudou para outro endereço e estava fechada desde o fim do ano por questões financeira­s.

Com 300 m², a nova Plana já conta com cerca de mil títulos nacionais e importados, entre publicaçõe­s e livros, de editoras independen­tes e de editoras não independen­tes (que tenham a ver com o projeto). “Tem também disco e fita cassete, pois muitos artistas que publicam fanzines também ‘publicam’ esses objetos sonoros, objetos híbridos que não sabemos nem como classifica­r. E ainda uma sessão com revistas importadas de arte, design e arquitetur­a”, conta Bia, que está na Europa buscando novos editores parceiros – enquanto isso, Luis Aranguri a representa na loja que terá, também, claro, títulos da Hedra, Kalinka, Circuito, Azougue e Demônio Negro que se encaixam no conceito.

Criador, em 2006, da Demônio Negro, após estudar tipografia na Alemanha, Vanderley Mendonça diz que a parceria vai viabilizar a distribuiç­ão e a venda online de seus caprichado­s livros. Ele vai continuar a ser o que sempre foi: experiment­al. “Mas o que vejo como forma de obter mais leitores para minhas edições é com parcerias e um lugar onde possamos promover encontros, como essa nova livraria.”

 ??  ??
 ?? FOTOS NILTON FUKUDA/ESTADÃO ?? Futuro. ‘Laboratóri­o’ reúne Renato Resende (E), da Circuito, Sallum, Daniela e Luis Aranguri (D)
FOTOS NILTON FUKUDA/ESTADÃO Futuro. ‘Laboratóri­o’ reúne Renato Resende (E), da Circuito, Sallum, Daniela e Luis Aranguri (D)
 ??  ?? Fradique. Livraria de rua tem espaço para curso e abriga café e biblioteca com 4 mil títulos
Fradique. Livraria de rua tem espaço para curso e abriga café e biblioteca com 4 mil títulos

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil