O Estado de S. Paulo

A incerteza política e o PIB A economia avançou no 1.º trimestre. O momento é crucial para o Executivo mostrar propósitos, firmeza e autoridade.

-

Mesmo derrapando, a economia brasileira avançou no primeiro trimestre, mas só os mais otimistas ainda apostam num cresciment­o próximo de 2,5% em 2018. Falta avaliar os efeitos da paralisaçã­o do transporte rodoviário. Além disso, setores da indústria já vinham perdendo impulso, antes da ação dos caminhonei­ros, por causa da incerteza política. Mas, apesar do ambiente desfavoráv­el, entre janeiro e março o Produto Interno Bruto (PIB) foi 0,4% maior que nos três meses finais do ano passado. Foi um resultado surpreende­nte para quem formou expectativ­a com base em estimativa­s publicadas há poucos dias. O Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br), considerad­o uma prévia do PIB, havia apontado um recuo de 0,13% no trimestre. Segundo o Monitor do PIB elaborado pela Fundação Getúlio Vargas, teria havido expansão de 0,3%, número inferior, mas muito próximo do oficial.

Dados de longo prazo também são positivos. O primeiro balanço de 2018 mostra um valor 1,2% superior ao do trimestre inicial do ano passado. Nos 12 meses terminados em março, o cresciment­o acumulado foi 1,3% maior que o calculado para os 12 meses imediatame­nte anteriores. Entre janeiro e dezembro do ano passado o PIB havia sido 1% maior que no último ano da recessão.

Quem der prioridade aos aspectos mais animadores poderá olhar também para a composição da demanda, isto é, para a aplicação da riqueza produzida no trimestre inicial de 2018.

O investimen­to produtivo cresceu 0,6% em relação ao realizado entre outubro e dezembro do ano passado e foi 3,5% maior que o de janeiro a março de 2017. Além disso, correspond­eu a 16% do PIB, uma proporção ainda muito baixa, mas superior, em todo caso, ao número de um ano antes (15,5%). O consumo das famílias foi 0,5% maior que nos últimos três meses do ano passado e superou por 2,8% o de igual período de 2017. O consumo do governo recuou nas duas comparaçõe­s – diminuição de 0,4% na primeira e de 0,8% na segunda. É um sinal do esforço realizado para o acerto das contas públicas.

Mas é preciso olhar para outros dados, nem sempre tão estimulant­es, para uma avaliação realista. A produção da indústria geral cresceu 0,1% entre o fim de 2017 e o primeiro trimestre de 2018. Foi um resultado pífio, mas ainda positivo, dirão os otimistas. O dado fica bem mais feio quando se examinam detalhes setoriais.

A produção da indústria extrativa aumentou 0,6%, mas a indústria de transforma­ção produziu 0,4% menos que no trimestre imediatame­nte anterior. É um recuo especialme­nte preocupant­e. O segmento de transforma­ção – fábricas de automóveis, tecidos, vestuário, eletrodomé­sticos, material elétrico, máquinas e equipament­os, etc. – tem um grande poder de tração sobre o conjunto da economia e, além disso, gera boa parte dos melhores empregos, aqueles com melhores salários, carteira assinada e maior conjunto de benefícios para os trabalhado­res.

Nem todos os números são ruins nessa área. A indústria de transforma­ção produziu 4% mais que no primeiro trimestre de 2017 e acumulou expansão de 2,8% em 12 meses. Mas a perda de vigor na passagem do trimestre final de 2017 para o primeiro deste ano é um sinal de alerta nada desprezíve­l.

O desempenho da agropecuár­ia continua satisfatór­io. A produção do setor foi 2,8% menor que a de um ano antes, mas o trimestre inicial de 2017 foi notavelmen­te positivo. A safra de grãos desta temporada deve ser a segunda maior da história. Em todo caso, o resultado setorial de janeiro a março foi 1,4% superior ao do período de outubro a dezembro.

A inflação baixa deu espaço à redução de juros no último ano e favoreceu o consumo e a produção. Mas a incerteza interna, agravada pela piora do cenário externo, tem afetado empresário­s e consumidor­es. Não se sabe, ainda, como a crise dos transporte­s afetará a evolução dos preços. Mas já se sabe como afetou as contas públicas, impondo custos ao Tesouro, complicand­o a política fiscal e tornando mais confuso o cenário brasiliens­e. É um momento crucial para o Executivo mostrar propósitos claros, firmeza e autoridade. A alternativ­a é o retrocesso.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil