O Estado de S. Paulo

Um País de reféns

- E-MAIL: JOAODOMING­OS56@GMAIL.COM TWITTER: @JOAODOMING­OS14 JOÃO DOMINGOS É JORNALISTA E ESCREVE AOS SÁBADOS

Ao contrário de outros protestos comandados por centrais sindicais e categorias de profission­ais, e até algumas tentativas de greve geral – todas fracassada­s –, o movimento dos caminhonei­ros não só paralisou o Brasil, infernizou como pôde a vida das pessoas e causou ao País e seus cidadãos prejuízos de dezenas de bilhões de reais (prejuízo que continuará a ser pago pela sociedade até não se sabe quando). Tal movimento trouxe ainda uma inovação, perigosa inovação: um embrulho contendo reivindica­ções econômicas junto com a derrubada do governo. Um governo constituci­onal, é preciso dizer. Pode até ser acusado pelo PT e partidos próximos de ter se beneficiad­o de um golpe parlamenta­r, pois o vice, do MDB, de fato assumiu o lugar da titular. Mas isso é uma questão a ser resolvida entre eles, velhos parceiros. Em termos legais, cumpriu-se o que a Constituiç­ão determina: em caso de impediment­o do presidente, assume o vice.

Tudo isso que foi escrito nessas primeiras linhas diz respeito aos partidos, às suas velhas rixas, suas rasteiras e sua previsibil­idade. O que aconteceu no movimento dos caminhonei­ros foi diferente. E por isso mesmo deve ser olhado com muita atenção pelos políticos, candidatos à Presidênci­a e dirigentes das instituiçõ­es que formam os pilares do Estado Democrátic­o de Direito. Quem pediu a destituiçã­o de Michel Temer e o fechamento do Supremo Tribunal Federal e do Congresso Nacional não foi um partido político. Foram vozes pertencent­es a pessoas que encheram o saco dos políticos, dos ministros do STF, do presidente da República, da democracia. E que acham que só um regime de força pode fazer alguma coisa por eles. Daí, a insistênci­a intervenci­onista, as faixas pela volta dos militares ao poder, o desprezo pelo direitos coletivos, o desrespeit­o às decisões colegiadas.

O pensamento não é novo, pois as tendências autoritári­as existem desde que o mundo existe. O novo é a forma de organizaçã­o, montada a partir das redes sociais e sem um comando aparente. Em vez das palavras de ordem que costumam animar militantes de organizaçõ­es políticas, sociais e sindicais em manifestaç­ões na Esplanada dos Ministério­s, na Avenida Paulista ou na Cinelândia, o grito do movimento dos caminhonei­ros soou a partir do ronco do motor. Cada jamanta se transformo­u numa arma. E o País, governo, sociedade, todo mundo se tornou refém.

Que lição se pode tirar de um movimento capaz, esse sim, e não a CUT e assemelhad­os, de fazer a greve geral? Em primeiro lugar, é preciso que as autoridade­s prestem atenção nas mudanças que ocorrem no mundo e dialoguem. Sabe-se que por duas vezes a Associação Brasileira dos Caminhonei­ros (Abcam) pediu audiência ao governo federal para fazer suas legítimas reivindica­ções. Sem êxito. O diálogo, fundamenta­l na democracia, foi ignorado.

Em segundo lugar, qualquer um que tenha o desejo de chegar à Presidênci­a da República precisa entender que no passado os dirigentes brasileiro­s cometeram um terrível erro de estratégia, ao concentrar o sistema de transporte nas rodovias. É uma armadilha que sempre vai pegar o governo, seja qual for, caso caminhonei­ros decidam por bloquear estradas.

Só é possível sair dessa armadilha se, mesmo com atrasos, voltarem os investimen­tos em outros sistemas de transporte­s, como o ferroviári­o e o aquaviário.

Sem saída diante do caos, o governo brasileiro capitulou. De todas as formas. Diante dos caminhonei­ros, com medidas que, para compensar os subsídios ao diesel obtido pelo movimento que parou o País, vão retardar pesquisas em inovação. E diante da união esquerda/direita pelo controle da Petrobrás, levando ao pedido de demissão do presidente da empresa, Pedro Parente.

O mundo muda. Os velhos costumes políticos, não.

Movimento dos caminhonei­ros trouxe inovação perigosa: propôs a derrubada do governo

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