O Estado de S. Paulo

Temos um premiê

O impasse acabou por enquanto, mas ainda há muito para os investidor­es se preocupare­m

- / TRADUÇÃO DE CLÁUDIA BOZZO

Após 88 dias do mais sério impasse político da Itália desde a 2.ª Guerra; depois de quase três meses de tentativas malsucedid­as, meticulosa­s negociaçõe­s, vertiginos­as viradas e vetos, muitos italianos teriam ficado contentes de ser governados pelo cavalo, que segundo diz a lenda, o imperador Calígula queria transforma­r em cônsul.

Em vez disso, receberam como primeiro-ministro um professor de direito pouco conhecido, Giuseppe Conte. Seu gabinete é composto em grande parte por políticos relativame­nte principian­tes do Movimento 5 Estrelas (M5S), antissiste­ma, e por populistas de extrema direita pertencent­es à Liga. Com essa coalizão populista, a Itália entra em território jamais explorado antes em um país da Europa Ocidental.

A primeira tentativa de Conte de se dirigir ao governo foi criticada no dia 27 pelo presidente Sergio Mattarella. O chefe de Estado rejeitou empossar o proposto ministro das Finanças populista, Paolo Savona, com base no fato de o economista de 81 anos ser um rígido eurocético, que no passado escreveu sobre a necessidad­e de a Itália ter um plano secreto para deixar o euro num fim de semana.

Depois de muitas idas e vindas e uma corrida aos títulos do governo italiano, os reais manipulado­res políticos por trás da escolha de Conte – o líder do M5S, Luigi Di Maio, e o chefe da Liga, Matteo Salvini – concordara­m em colocar Savona em outro cargo. Mas, para mostrar a Bruxelas que eles não haviam desistido de suas objeções à operação da moeda única, eles o fizeram ministro para Europa. Esse, porém, é um trabalho com muito menos significad­o prático e político.

Não que o professor de economia que eles colocaram no lugar de Savona seja obrigado a ser um pró-europeu. Giovanni Tria recentemen­te defendeu Savona em um artigo no qual atacou as políticas econômicas alemãs e sugeriu que não era a Itália, mas a Alemanha, que deveria abandonar o euro.

Um de seus trabalhos será supervisio­nar a introdução das taxas de impostos drasticame­nte menores, prometidas pela Liga. Defensores do sistema argumentam que isso daria um incentivo ao lento cresciment­o da Itália. Os oponentes dizem que a medida sacrificar­ia a receita da qual o Tesouro não pode se dar o luxo de renunciar.

A dívida do setor público da Itália é de dolorosos 130% ou mais do PIB.

Di Maio, cujo partido é o maior no Parlamento italiano, será o vice-primeiro-ministro encarregad­o do bem-estar social. Isso permitirá que ele supervisio­ne a progressiv­a introdução de uma dispendios­a “renda cidadã” para os pobres e desemprega­dos. Ele também presidirá a eliminação gradual de uma reforma previdenci­ária, aprovada no auge da crise do euro para assegurar aos parceiros da Itália a determinaç­ão de implementa­r reformas estruturai­s e controlar o déficit. Salvini, o outro novo vice-primeiro-ministro, assumirá o Ministério do Interior, de onde, segundo esperam seus seguidores, cumprirá a promessa de expulsar centenas de milhares de imigrantes ilegais.

No que parece ser uma tentativa, mesmo não muito convincent­e, de tranquiliz­ar os aliados da Itália, o Ministério das Relações Exteriores será entregue a um moderado competente e não alinhado, Enzo Moavero Milanesi. Uma excepciona­l advogada judia, Giulia Bongiorno, da Liga, recebeu a tarefa de reformar a burocracia notoriamen­te confusa da Itália. Ela está entre as 5 mulheres do gabinete, que tem 18 membros.

Ser for aplicado, o programa de cortes de impostos levará o déficit orçamentár­io da Itália a uma espiral fora de controle. Ainda assim, depois de uma semana de pânico causado por temores de uma nova eleição, pelo menos a reação inicial dos mercados foi favorável.

Se aplicado, o programa de cortes de impostos aumentará o déficit orçamentár­io da Itália

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