O Estado de S. Paulo

Graças a Rajoy, crise nem chega a ser crise

- Leonid Bershidsky / BLOMBERG É COLUNISTA

Fale o que quiser de Mariano Rajoy, mas graças a ele a crise política hoje na Espanha na verdade não é uma crise para ninguém, especialme­nte para a União Europeia, salvo para os políticos espanhóis. Rajoy, vencido em uma moção de censura no Parlamento, tem sido acusado de uma passividad­e e obstinação nada construtiv­as diante dos problemas enfrentado­s pelo país, pelo seu Partido Popular e por ele mesmo. Problemas enormes abrangendo o movimento de secessão da Catalunha, que ele fez recuar sem assumir um compromiss­o, e os recentes julgamento­s em um processo que revelou um enorme esquema de corrupção e lavagem de dinheiro dentro de seu partido.

Os catalães estão determinad­os a conquistar sua independên­cia e a região tem agora talvez seu governo mais radical. O tradiciona­l sistema de dois partidos, em que o Partido Popular há 30 anos se defronta com o Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE), está desgastado. Duas jovens agremiaçõe­s se formaram para desafiar o establishm­ent político corrupto: o Ciudadanos, de centro-direita, e o Podemos, de esquerda radical. Elas lideram as pesquisas de opinião em todo o país. Sánchez poderia ter problemas em governar a Espanha como primeiro-ministro porque sua coalizão com o Podemos e partidos nacionalis­tas menores é claramente uma união anti-Rajoy temporária.

Curiosamen­te, nada disso realmente é importante para a capacidade da Espanha de seguir em sua recuperaçã­o da crise que a atingiu duramente no início da década. A era Rajoy termina com a economia a caminho de um cresciment­o de 2,7% este ano, depois de dois anos de cresciment­o de mais de 3%. O desemprego ainda está na faixa dos 17%, mas é uma situação bem melhor se comparada com o pico de mais de 26% em 2013. O déficit fiscal espanhol hoje é de 2,5% do PIB depois de ter atingido 10,5% em 2012. Como chefe de um governo minoritári­o frágil, Rajoy conseguiu negociar um orçamento que Sánchez pretende manter.

A ascensão dos dois partidos, Ciudadanos e Podemos, no meio da crise (o primeiro se tornou uma força nacional em 2013, e o segundo foi fundado em 2014) prometia mudanças traumática­s como se observa hoje na Itália.

O Podemos, especialme­nte, surgiu de uma cultura de protesto anticapita­lista intransige­nte, com um programa econômico que originalme­nte incluía uma renda básica universal sem nenhuma preocupaçã­o com seus custos e uma “auditoria pelos cidadãos” da dívida nacional que levaria potencialm­ente a um calote. Mas à medida que o partido amadureceu, essas demandas foram abolidas e seu programa, ainda muito de esquerda, já é compatível com conceitos já estabeleci­dos.

O Ciudadanos, apesar da insistênci­a de seus líderes de que se trata de um partido que não é nem de esquerda nem de direita, é uma força política convencion­al cuja tendência de centro-direita arrebatou eleitores do Partido Popular, mais do que dos socialista­s. Esses dois partidos estão dispostos a participar de coalizões. Numa série de eleições inconclusi­vas realizadas na era Rajoy e com as manobras políticas que se seguiram, eles adquiriram a experiênci­a das negociaçõe­s no plano nacional e a noção de como o país é governado. Não importa que combinaçõe­s políticas podem surgir de uma eleição antecipada, se vier a ocorrer, há poucos riscos de a Espanha adotar políticas econômicas desastrosa­s.

Ao contrário de outros lugares na Europa, as forças xenófobas não ganharam impulso no país e os vários nacionalis­mos existentes estão mais no plano interno. As crises na Espanha parecem e na verdade são administrá­veis. Ninguém agradecerá a Rajoy por isso e suas motivações durante todo este tempo em que governou podem ter sido egoístas, mas foram também patriótica­s. De qualquer modo, ele merece o crédito.

TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

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