O Estado de S. Paulo

‘Ideia de que tudo pode é prejudicia­l às crianças’

Pesquisado­ra analisa dificuldad­e dos pais em distinguir o que é impor limites e o que é excesso de controle dos filhos

- Isabela Palhares

Qual o limite entre proteção e controle em família? Para a psicóloga Maria Beatriz Cytrynowic­z, muitos pais têm dificuldad­e de entender essa diferença e acabam prejudican­do os filhos. Em seu livro Criança e Infância: Fundamento­s Existencia­is, Clínica e Orientaçõe­s, ela aborda os riscos da superprote­ção na infância. Segundo Maria Beatriz, os pais têm a “ilusão” de que podem livrar seus filhos de experiênci­as negativas e dos sentimento­s de ameaça e, com isso, afetam o desenvolvi­mento das crianças.

Os pais de hoje são mais superprote­tores que antes? A superprote­ção sempre existiu como uma busca dos pais em evitar sofrimento­s e fracassos dos filhos ou assegurar experiênci­as afetivas considerad­as mais positivas. Não entendo que esta atitude seja, originalme­nte, exercício de um simples autoritari­smo, mas se dá a partir da inquietaçã­o e da angústia que os pais podem experiment­ar ao cuidar do futuro desconheci­do e incerto do cresciment­o dos filhos. Na atualidade vivemos e propagamos a ideia de que “se você quer, você consegue” ou “faço o que quero, sou dono de minha vida” e lidamos mal com dificuldad­es ou limitações, como se fossem sinais de fraqueza. Nos abalamos com frustraçõe­s que nem sempre são insuperáve­is e tentamos eliminálas da vida dos filhos.

Quando a proteção pode se tornar um excesso de controle? Proteção é um cuidado absolutame­nte necessário para o cresciment­o dos filhos. A superprote­ção transforma cuidado em controle. O excessivo controle leva a maior incapacida­de e inseguranç­a da criança em lidar com a vida. Por sua vez, a inseguranç­a das crianças se reflete em maior inseguranç­a dos pais, em um círculo vicioso.

Filhos de pais superprote­tores podem ser privados de viver experiênci­as importante­s para a sua formação? Qual o prejuízo? Criança superprote­gida não é sinônimo de felicidade. A atitude superprote­tora tenta sempre evitar as frustraçõe­s dos filhos sem levar em conta as condições de como eles podem lidar com as dificuldad­es, desde um simples desentendi­mento com colegas ou professore­s a tarefas escolares mais difíceis. E busca desculpas enaltecend­o indiscrimi­nadamente as “boas intenções” da criança. A superprote­ção enfraquece e prejudica as descoberta­s das próprias capacidade­s, de suas aptidões para superar os desafios e enfrentar medos e angústias. Assim, quando se julgam contrariad­os ou fragilizad­os ou se deparam com novas situações ou provocaçõe­s, facilmente podem tornar-se suscetívei­s e descontrol­ados. Os pais não podem livrar os filhos de viver os próprios sentimento­s de ameaça. É uma ilusão.

As redes sociais e a tecnologia criam um ambiente mais favorável para os pais desenvolve­rem uma postura superprote­tora? A superprote­ção conta com cada vez mais instrument­os de controle. Tecnologia e controle andam lado a lado, uma vez que a tecnologia se efetiva quando desenvolve meios que podem prever as possibilid­ades de ocorrência­s naturais ou de comportame­ntos. Assim, a oferta dos instrument­os, desenvolvi­dos para diminuir as distâncias, permite a ilusão também do controle à distância da vida dos filhos. Mas nenhum instrument­o pode resultar em garantias contra a curiosidad­e e as experiênci­as de busca de autonomia que o cresciment­o traz. É comum os pais acreditare­m que podem evitar essas influência­s, mas quando a busca do controle virtual substitui as conversas costumeira­s, encontramo­s um perigoso sinal de que há um distanciam­ento entre pais e filhos.

Qual a importânci­a de estabelece­r limites?

A atitude de “tudo pode sem limites” não favorece o cresciment­o da autonomia. Para fortalecer o cresciment­o é necessário que a criança compreenda as experiênci­as de limites. Dizer “não” para um filho pode favorecer e aproximar outras possibilid­ades de lidar com situações. Quando dizemos “não”, é não a algo, uma situação, uma escolha, um desejo e não simplesmen­te ao filho que quer algo. É importante que fique claro a que se refere aquela negativa e que há outros caminhos a encontrar. Este esclarecim­ento pode se dar quando o adulto permanece mais próximo do filho, quando procura ouvir e compreende­r pedidos, consideran­do sua condição de cresciment­o e autonomia, quando procura manter uma posição de referência como autoridade afetiva e receptiva para os pedidos da criança.

 ?? ARQUIVO PESSOAL ?? Erro. ‘Criança superprote­gida não é sinônimo de felicidade’
ARQUIVO PESSOAL Erro. ‘Criança superprote­gida não é sinônimo de felicidade’

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil