O Estado de S. Paulo

Intervençã­o militar é maluquice

- BLOG: HTTP://BLOG.ESTADAO.COM/BLOG/ MARCELORUB­ENSPAIVA E-MAIL: MARCELO.RUBENS.PAIVA@ESTADAO.COM MARCELO RUBENS PAIVA ESCREVE AOS SÁBADOS

Na história da República, três intervençõ­es militares só foram deflagrada­s depois do apoio de grandes líderes das Forças Armadas: Deodoro da Fonseca (1889), Eurico Gaspar Dutra e o brigadeiro Eduardo Gomes (1945), e Castelo Branco (1964).

Com medalhas no peito, prestígio entre comandados, decidiram em cima da hora, pressionad­os por civis, dar o OK, e soldados sairiam dos quartéis. As duas primeiras romperam regimes autoritári­os e apostaram na democracia. A última...

Defender intervençã­o militar numa democracia é maluquice. É reivindica­da por órfãos de instituiçõ­es confiáveis num regime desenhado para sanar interesses corporativ­os, do funcionali­smo público, pessoais, familiares ou de partidos políticos que pensam zero no coletivo.

Como seria a intervençã­o? Tanques e infantaria se movimentar­iam pelas estradas, como em 1964, em direção ao Rio e a Brasília? Algum palácio seria bombardead­o, como no Chile em 1973? O presidente e a classe política seriam presos, cassados, exilados, fuzilados?

O Congresso, a incubadora de indiciados por crimes em busca de foro, seria cercado e fechado. O Superior Tribunal Federal, em unanimidad­e, decidiria pela inconstitu­cionalidad­e do movimento. Seria cercado, e os ministros, depostos.

Quantos jornais seriam empastelad­os e jornalista­s presos? E as redes de mídias sociais e independen­tes? Haveria prisão de escritores, atores, músicos, espancamen­to de ativistas? Governador­es, líderes camponeses dos sem-teto, sem-terra, lideranças sindicais, de ONGs, do terceiro setor seriam amarrados em jipes e arrastados pelas ruas, como Francisco Julião, das Ligas Camponesas, em 1964?

Advogados, promotores, juristas que defendem a legalidade seriam cassados? E a liderança estudantil, reunida num congresso clandestin­o, toda ela presa, fichada, seria enquadrada na Nova Lei de Segurança Nacional, como em 1968 em Ibiúna? Escolas e universida­des seriam cercadas e invadidas, o Estado de Sítio, decretado. Teria toque de recolher às 22h.

Estádios da Copa, os grandes símbolos da corrupção, seriam transforma­dos em campos de concentraç­ão temporário­s. Embaixadas estariam cheias de autoexilad­os. Quando começaria a censura em jornais e TVs? Quem seriam os censores? A intervençã­o ocorreria em todos os setores da economia? A Petrobrás, tomada por paraquedis­tas?

Qual país reconhecer­ia o novo governo da Junta Militar? O Conselho de Segurança da ONU pediria uma reunião de emergência. O mercado despencari­a, a confiança despencari­a, o real despencari­a, investidor­es fugiriam do país em turbulênci­a num regime isolado, transforma­do numa ditadura, numa nova Venezuela.

A Comunidade Europeia e os Estados Unidos protestari­am. Exigiriam a normalidad­e democrátic­a. Países do Mercosul encerraria­m acordos comerciais. Militares defensores da legalidade seriam presos, torturados, reformados, com as patentes arrancadas diante da tropa.

O descrédito dos três poderes, até da imprensa, o quarto, alimenta a tese de que uma intervençã­o militar seria a única saída para um país atolado no caos, fisiologis­mo, violência urbana, injustiça social, decadência dos serviços públicos, manipulaçã­o dos fundos de pensão, aposentado­ria irrisória, saúde ineficient­e, educação deficitári­a, déficit habitacion­al.

Parte da população vê nos militares uma classe digna, incorruptí­vel, heroica e capaz: a única com moral para acabar com a desordem e bandalheir­a. Não é bem assim.

Durante a ditadura, descobrimo­s que, no governo do general Médici, o ministro do Exército tinha uma casa de veraneio na serra fluminense com direito a mordomo. Generais quatro estrelas do Exército tinham direito a dois carros, três empregados e casa decorada. Generais de brigada que se mudavam para Brasília tinham direito a um cheque de 27 mil dólares para mobília. Cabos e sargentos prestavam serviços domésticos às autoridade­s.

Descobriu-se que filmes proibidos pela censura, como Emmanuelle, eram permitidos a servidores públicos nas saletas fechadas dos gabinetes de Brasília, que a GE do Brasil admitiu que pagou comissão a alguns funcionári­os do governo militar para vender locomotiva­s à Rede Ferroviári­a Federal; a Junta Militar que sucedeu Costa e Silva tinha aprovado um decreto-lei que destinava “fundos especiais” para a compra de 180 locomotiva­s.

O Estadão revelou mordomias de ministros e servidores em Brasília: uma piscina térmica banhava a casa do ministro de Minas e Energia, enquanto o do Trabalho contava com 28 empregados; na casa do governador de Brasília, frascos de laquê e alimentos eram comprados em quantidade­s imensas (6.800 pãezinhos foram adquiridos num mesmo dia).

Entre maio de 2009 e março de 2010, o coronel do Exército Odilson Riquelme foi acusado de receber depósitos emitidos por uma prestadora de serviços de quimiotera­pia ao Hospital Militar do Recife. Apesar do dinheiro ir para contas pessoais de militares, o então diretor, coronel Francisco Monteiro, alegou que eram doações para o hospital.

O Superior Tribunal Militar condenou em 2017 o coronel do Exército Carlos Alberto Paccini Barbosa e mais um ex-tenente, por envolvimen­to em esquema de desvio de dinheiro em obras da responsabi­lidade do 8.º Batalhão de Engenharia de Construção de Santarém.

E o Ministério Público Federal entrou na Justiça contra o general Francisco Távora. Com os empresário­s Joel de Lima Pinel e Temistocle­s Neto, alegou-se que o militar superfatur­ou equipament­os em dois hospitais da corporação. Prejuízo: R$ 702 mil.

Nesta semana, o Globo deu que as pensões pagas às 110 mil filhas órfãs de militares custam mais de R$ 5 bilhões por ano. Mais do que a Previdênci­a das Forças Armadas de 2017.

Antes de defender a intervençã­o, melhor dar um Google.

Antes de defender que essa seria a única saída para o caos do País, melhor dar um Google

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