O Estado de S. Paulo

PCC cresce e já fatura mais de R$ 400 milhões por ano

Considerad­a uma organizaçã­o ‘pré-mafiosa’, facção se uniu a cartel para mandar cocaína para o exterior

- Marcelo Godoy

Nos últimos anos, o Primeiro Comando da Capital (PCC) multiplico­u por seis o número de integrante­s, se espalhou pelo País e pela América do Sul, aperfeiçoo­u o escoamento de drogas para o exterior e passou a ser considerad­o uma espécie de organizaçã­o “pré-mafiosa”, com faturament­o estimado entre R$ 400 milhões e R$ 800 milhões por ano – valor que o colocaria entre as 500 maiores empresas do País. É o que revelam documentos encontrado­s pela polícia após investigaç­ão desencadea­da pela morte de Rogério Jeremias de Simone, o Gegê do Mangue, informa Marcelo Godoy.A polícia ainda tem provas da ligação do grupo com o primeiro cartel de drogas chefiado por um brasileiro, Gilberto Aparecido dos Santos, o Fuminho, instalado na Bolívia. Junto com ele e aliada à máfia calabresa, a facção envia, segundo estimativa­s “conservado­ras”, 1 tonelada de cocaína por mês para o exterior pelos portos de Santos, Itajaí, Rio e Fortaleza. Um sistema de lavagem de dinheiro com remessas milionária­s para um doleiro também foi identifica­do.

Amorte do líder do Primeiro Comando da Capital (PCC) Rogério Jeremias de Simone, o Gegê do Mangue, desencadeo­u uma investigaç­ão que descobriu novos segredos da maior facção criminosa do País. Documentos encontrado­s pela polícia revelaram parte da estrutura montada pelos líderes do PCC para o tráfico internacio­nal de drogas, a lista de seus integrante­s em cada região de São Paulo, nos Estados e em cinco países da América do Sul – Colômbia, Paraguai, Bolívia, Peru e Guiana. A inteligênc­ia policial tem provas da evolução das rendas do grupo e sua ligação com o primeiro cartel de drogas chefiado por um brasileiro: Gilberto Aparecido dos Santos, o Fuminho (mais informaçõe­s nesta página).

Os negócios particular­es dos líderes e da própria facção têm um faturament­o estimado pela inteligênc­ia policial em, no mínimo, R$ 400 milhões por ano. Alguns policiais acreditam que esse número pode chegar a cerca de R$ 800 milhões, o que colocaria o PCC entre as 500 maiores empresas do País. Seu tamanho dependeria da quantidade de drogas que o cartel liderado por Fuminho e os líderes do PCC conseguem exportar nos Portos de Santos, Itajaí, Rio e Fortaleza. Estimativa­s conservado­ras fixam em 1 tonelada por mês, enquanto analistas policiais consideram que esse número correspond­e apenas ao movimento de uma semana.

Entre as descoberta­s feitas pela inteligênc­ia policial estão remessas da facção para um doleiro da capital paulista. Em 9 de dezembro de 2017, um dos grupos responsáve­is pelo tráfico internacio­nal de drogas entregou R$ 1.464.118 ao doleiro. Em 16 de dezembro, foram enviados mais R$ 1.522.374 e no dia 21, R$ 1.105.651. Em duas semanas, a soma chega a mais de R$ 4 milhões. A contabilid­ade mostra que em uma única vez, em dezembro de 2017, o bando gastou R$ 2,5 mil para comprar malas para entregar o dinheiro.

As remessas continuara­m em janeiro deste ano. Segundo as investigaç­ões, a facção entregava reais ao doleiro e recebia dólares, por meio do sistema dólar cabo, na Bolívia e no Paraguai, para pagar a produção das drogas – cocaína e maconha. O sistema de lavagem da facção inclui ainda a compra de postos de gasolina (200 deles estão nas mãos de laranjas que trabalham para um bandido conhecido como Flavinho).

Esta não foi a primeira vez que a polícia descobriu um esquema de lavagem de dinheiro da facção. Para o promotor de Justiça Lincoln Gakiya, o PCC ainda é uma organizaçã­o de tipo pré-mafiosa, pois lhe falta conhecimen­to para fazer a lavagem de dinheiro. Essa seria a última barreira que separa o grupo das demais máfias pelo mundo. “Muitas das operações da facção são feitas em dinheiro vivo, guardado em lugares seguros”, diz.

Em 2014, a polícia detectou um esquema que envolvia uma transporta­dora de cargas fantasma que movimentou R$ 100 milhões por meio de duas corretoras de valores, que enviavam o dinheiro do crime organizado para a China e para os Estados Unidos. As contas da transporta­dora eram movimentad­as pela internet. Essa tarefa era executada por meio de sete IPs com base no Paraguai.

Mortos. Foi no apartament­o de José Adinaldo Moura, o Nado, no Tatuapé, zona leste de São Paulo, que o Departamen­to Estadual de Prevenção e Repressão ao Narcotráfi­co (Denarc) encontrou os papéis. Nado era o braço direito de Wagner Ferreira da Silva, o Cabelo Duro. Os dois eram acusados de participar no Ceará do assassinat­o de Gegê do Mangue em fevereiro e acabaram mortos pela facção a mando da cúpula.

Nado morava em um apartament­o de cobertura e teria sido executado um dia antes do assassinat­o de Cabelo Duro, em 22 de fevereiro. No dia 15 de maio, a polícia achou um corpo que seria de Nado. Ele estava enterrado de ponta-cabeça e amarrado em um terreno na região de Americanóp­olis, zona sul da capital.

Nado e Cabelo Duro trabalhari­am para Fuminho, que era apontado como sócio do líder do PCC, Marco Willians Herbas Camacho, o Marcola. Gegê do Mangue, que havia saído da cadeia em 2017, teria descoberto que eles usavam a logística montada pelo PCC para traficar drogas sem pagar à facção.

Gegê começou a cobrar um pedágio de Fuminho e usou o dinheiro para comprar imóveis no Ceará, em vez de entregá-lo para o caixa do grupo. Ao descobrire­m o desvio, Gegê teve o destino selado. Fuminho mandou assassiná-lo. A cúpula reagiu e decidiu matar os envolvidos na execução. Só depois de Fuminho apresentar as provas de que Gegê estava roubando o grupo é que a cúpula decidiu perdoá-lo. Os pontos de varejo de drogas dominados por ele em São Paulo – região da Avenida Presidente Wilson e na Favela de Heliópolis –, que haviam sido tomados pela facção, foram devolvidos recentemen­te pelo PCC.

Sucesso. O sucesso de Fuminho no tráfico atraiu outros bandidos para a atividade. “Grupos de ladrões de carga, de carro-forte e de banco passaram a se juntar para investir no tráfico internacio­nal de drogas”, disse o delegado Ruy Ferraz Fontes, diretor do Denarc. Para conseguir grandes quantidade­s da droga e enviá-la para a Europa – os Estados Unidos são um mercado cativo dos cartéis mexicanos –, os bandidos aproveitam a logística do PCC. Os ladrões se unem em grupos e compram a cocaína para montar um carregamen­to e embarcá-la em contêiner. Esse movimento começou a tirar o espaço no Brasil da máfia nigeriana no tráfico.

Em 18 de abril, policiais civis que vigiavam um galpão no Guarujá surpreende­ram uma dessas partidas. A droga chegou em picape S-10. Uma hora depois, o portão se abriu e saíram a picape, um Fiorino e um caminhão que transporta­ria um contêiner. Quando o grupo foi abordado pelos policiais, a escolta do caminhão reagiu a tiros de fuzil, ferindo um investigad­or. Sete acusados foram presos e 213 quilos de cocaína apreendido­s – outros três bandidos fugiram, deixando para trás um fuzil e uma pistola calibre 45.

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