O Estado de S. Paulo

A greve e a urna O clima que reinou no País nestas duas últimas semanas mostrou que há um solo fértil para aventureir­os.

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OBrasil chegou próximo a uma catarse nas duas últimas semanas. Um movimento que era a princípio apenas reivindica­tório de uma categoria parou o País e, na esteira dele, surgiram questões que certamente estarão presentes até a eleição.

O difícil é cravar, já, como elas serão assimilada­s até lá pelos candidatos (a todos os postos em disputa, não só à Presidênci­a) e pelos eleitores. O governo Michel Temer, que seria um terceiro ator na equação, cada vez mais deixa de ter relevância, vai só cumprir tabela até dezembro.

A primeira dessas questões diz respeito à dicotomia que surgiu na cabeça da maioria das pessoas que apoiaram (ao menos num primeiro momento) a greve dos caminhonei­ros: a da alta carga tributária brasileira em contraposi­ção a serviços indigentes e privilégio­s dos políticos.

Só aí já há uma extensa pauta para os políticos. A sociedade clamou por uma reforma tributária. O maior entrave hoje para que ela saia é a resistênci­a dos Estados. Basta ver que na hora de “abrir” a composição do preço dos combustíve­is ficou evidente o peso do ICMS, mas os governador­es trataram de dizer “aqui não, violão”.

Qual a reforma tributária proposta pelos presidenci­áveis? O que os candidatos a governador têm a dizer sobre ideias como unificação do ICMS e fim das políticas próprias de incentivo fiscal?

O eleitor imagina um cenário róseo em que os impostos serão reduzidos quase por decreto, a partir de uma conta simplista em que os “privilégio­s" dos políticos sejam atacados por um presidente de “pulso”.

Difícil prever o que o movimento dos caminhonei­ros projeta para as eleições

Não é assim que funciona. O fim de privilégio­s como altos salários dos três Poderes, auxílios variados e aposentado­rias de “marajás” depende da aprovação de medidas complexas, que os candidatos têm medo de assumir nos discursos e o Congresso hesita em votar, como a reforma da Previdênci­a.

Uma segunda grande pauta que emerge como herança da greve dos caminhonei­ros é a relação do governo com a Petrobrás. Os mesmos indignados que bradavam por “privatizaç­ão já” depois que os governos do PT quase quebraram a empresa aderiram sem embargo aos clamores por subsídio, congelamen­to e arbitragem do governo ao preço do diesel.

A irracional­idade foi tal que se viu até tucanos e democratas entoando de forma oportunist­a o coro de “fora Pedro Parente”, como fizeram os senadores Cássio Cunha Lima e Ronaldo Caiado. Sem se importar com o fato de que a política que ele implementa­va na empresa era aquela que seus partidos apregoam desde o governo Fernando Henrique Cardoso, que aprovou a quebra do monopólio no petróleo. E que tinha o então PFL no comando da área de minas e energia.

PSDB e DEM vão seguir a linha populista-irresponsá­vel na qual embarcaram alguns de seus caciques ou vão defender a independên­cia da companhia para definir sua política de preços? O governo é o acionista majoritári­o da Petrobrás, mas trata-se de uma empresa de economia mista e capital aberto. A noção de que a última palavra tem de vir de Brasília levou ao petrolão e a quase quebrar a empresa sob Dilma Rousseff.

Por fim, resta a questão política que aflorou com a greve. Movimentos golpistas pegaram carona na boleia para pregar abertament­e a derrubada do governo e intervençã­o militar, com antecipaçã­o ou mesmo cancelamen­to das eleições. E os candidatos do chamado centro se esconderam e não deram a resposta dura necessária contra essa sandice.

O preço dessa covardia pode ser alto. O clima que reinou no País nestas duas semanas mostra que há um solo fértil para aventureir­os. Ou os que têm compromiss­o com a institucio­nalidade e a transição racional e democrátic­a do flagelo dos anos Dilma-Temer saem da toca e falam aos eleitores ou o resultado da eleição pode ser desastroso.

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