O Estado de S. Paulo

‘Temer não vai ter influência na sua própria sucessão’

Para cientista político, presidente está na mesma posição que Sarney, também do MDB, na eleição de 1989

- Marianna Holanda

O presidente Michel Temer precisa aceitar que, para conseguir terminar o mandato, deve se retirar do processo eleitoral. A análise é do cientista político e professor de filosofia da Unicamp, Marcos Nobre. “Tem que aceitar que é Sarney, que não vai ter nenhuma influência na sua própria sucessão”.

Para ele, a greve dos caminhonei­ros é o segundo capítulo dos protestos de 2013 com uma diferença: “É pelos 46 centavos, sim”. Nobre diz que o sistema político não entendeu até agora o que aconteceu nas manifestaç­ões ocorridas há cinco anos. Abaixo, os principais trechos da entrevista:

• A greve dos caminhonei­ros tem relação com as manifestaç­ões de junho de 2013?

Em 2013 não tinha recessão, mas tinha uma desconexão clara entre o sistema político e a sociedade. Agora, em 2018, é como um segundo momento de 2013, com uma revolta que é, finalmente, econômica. É pelos 46 centavos, sim. Prometeram mundos e fundos (no impeachmen­t) e as coisas pioraram. Então, a falta de perspectiv­a e de legitimida­de do sistema político produz um apelo. O protesto dos caminhonei­ros só conseguiu se manter porque teve apoio social. E daí entrou todo tipo de gente…

E os pedidos de intervençã­o militar?

O sistema político não conseguiu entender até agora o que aconteceu em 2013. À medida que vai se fechando, vai se abrindo caminho para a extrema direita, porque ela aparece como o novo, como o que é contra o sistema. É de se esperar que uma parcela da população seja atraída por esse autoritari­smo. O que não é de se esperar é que se torne majoritári­a. Então, a democracia só corre perigo se o mundo político continuar nesse processo de blindagem contra a sociedade.

A eleição pode mudar isso?

Não, esse é o problema. Essa eleição não veio para resolver a reconexão do sistema político com a sociedade, veio para resolver quem vai fazer a transição para o novo modelo. E a chance de dar errado é alta. A disputa está armada para excluir os candidatos que estão liderando a intenção de votos. No caso do Lula, porque está preso, ou no caso da Marina e do Bolsonaro, porque não têm recurso, palanque, aliança.

Qual o peso dessa greve para o governo Temer?

A sociedade está dizendo: sabemos que seu governo está em coma, cabe ao senhor (Temer) decidir se vamos desligar os aparelhos ou não. Ou seja, não completar o mandato. O governo Temer fez um acordo fantasma, o Rodrigo Maia fez uma “patetada” legislativ­a e o Eunício Oliveira se retirou, no auge da crise. Em algum momento, esse sistema político vai ter que fazer acordo de estabilida­de mínima para Temer chegar ao final do mandato. Vão ter que emprestar coordenaçã­o política, quadros. Mas sem mostrar isso, senão perdem votos.

Como seria esse acordo?

O primeiro ponto importante é que Temer precisa se retirar do processo eleitoral. Tem que aceitar que é Sarney, que não vai ter nenhuma influência na sua própria sucessão. Dois, Temer tem que se retirar do processo legislativ­o. Ele é uma das maiores fontes de instabilid­ade e quer ser relevante, aí acaba atrapalhan­do as alianças na centro-direita. Terceiro, ele precisa aceitar uma intervençã­o do sistema político.

Qual vai ser o legado de Temer e quem vai fazer essa defesa?

Ninguém. É igual 1989, que ninguém podia defender o governo Sarney. Na época, o PMDB (hoje MDB) cometeu o erro de lançar um candidato que dizia que seu governo não era o seu governo. Quanto ele teve? 4%. E ele se chamava Ulysses Guimarães, não Henrique Meirelles. A questão é: em que momento esse governo vai se retirar do processo eleitoral, para que a centro-direita se organize? Em todas as eleições, a essa altura, todos os palanques já estavam montados. A centro-direita só tem chance se tiver candidatur­a única. Senão, esquece, nem segundo turno.

Mas o MDB ainda é o maior partido brasileiro...

Ah, sim, são coisas diferentes. O MDB só não pode aparecer como parceiro do governo Temer, senão acaba com a vida dos prefeitos, deputados estaduais, vereadores. Vão ter que grudar no candidato ao governo ou ao Planalto. Vai ser a fita isolante.

O que o sr. chama de peemedebiz­ação do poder acabou?

O peemedebis­mo não tem a ver com o partido MDB (ou o antigo PMDB). Todas as vezes que usei a expressão no livro (Imobilismo em Movimento, de 2013) disse que criei a expressão em homenagem ao partido, que é líder da venda de apoio parlamenta­r. A lógica é a seguinte: há dois polos com capacidade de coordenar o governo, no caso foram PT e PSDB, e no meio, o peemedebis­mo

(hoje emedebismo). Você pode continuar com o mesmo modelo, mas muda a sigla.

Quem são os candidatos e partidos que seguem essa linha?

O DEM e o PP, com Rodrigo Maia e Ciro Nogueira, são os grandes candidatos. A questão é a seguinte: eles são grandes, mas os outros não necessaria­mente vão acompanhar. PR, PRB, PTB, enfim, se for somando as bancadas, dá muito voto e não necessaria­mente

eles vão aceitar a liderança (do PP e do DEM). A aposta do Maia é que, se eles conseguire­m refundar a Arena (partido que dava sustentaçã­o do governo militar, hoje extinto), podem ser líderes do cartel de venda de apoio parlamenta­r e ter esses partidos como satélites. É o que o MDB tinha, nesse negócio de ocupar espaço no governo, trocar cargos por legislação. Não necessaria­mente essa nova liderança tem a mesma expertise.

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TIAGO QUEIROZ / ESTADÃO – 30/5/2018 Poder. Marcos Nobre cunhou a expressão ‘peemedebis­mo’, a lógica de negociar apoio

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