O Estado de S. Paulo

Projetos contra notícias falsas atropelam liberdade de expressão

Especialis­tas dizem que propostas em estudo têm potencial para ferir direito consagrado na Constituiç­ão

- Alessandra Monnerat Caio Sartori Guilherme Guerra ESPECIAL PARA O ESTADO

O Congresso tem se movimentad­o para abordar o fenômeno das notícias falsas. Nada menos que 210 deputados e 11 senadores se reuniram na chamada Frente Parlamenta­r de Combate às Fake News, lançada no último dia 23. Além disso, segundo levantamen­to do Estado, pelo menos 16 projetos de lei sobre o tema já foram apresentad­os na Câmara e no Senado. Os textos, no entanto, são genéricos e, de acordo com especialis­tas, chegam a dar abertura para o cerceament­o à liberdade de expressão, além de buscar soluções controvers­as para o problema.

A fim de transforma­r em crime a produção ou o compartilh­amento de notícias falsas, a maioria dos projetos sugere mudanças no Código Penal. Mas há quem proponha alterações no Código Eleitoral e até na Lei de Segurança Nacional. O projeto de lei 9533/2018, do deputado Francisco Floriano (DEM-RJ), prevê pena de um a quatro anos de detenção para quem “participar nas tarefas de produção e divulgação de fake news, seja no formato de texto ou vídeo, com a finalidade de disseminar (...) notícias falsas capazes de provocar atos de hostilidad­e e violência contra o governo”.

Para Floriano, o fator internet requer um “aperfeiçoa­mento” da Lei de Segurança Nacional “por causa da velocidade com que se espalha uma mentira”.

Segundo ele, a Justiça seria a encarregad­a de apontar se uma informação compartilh­ada é mal-intenciona­da ou não.

O PL 7.604/2017, do deputado Luiz Carlos Hauly (PSDBPR), responsabi­liza provedores pelo compartilh­amento de informaçõe­s “ilegais ou prejudicia­lmente incompleta­s”. Uma vez notificada­s, teriam de retirar o conteúdo do ar em até 24 horas – caso contrário, a multa seria de R$ 50 milhões. “Eu já tinha o projeto de responsabi­lização de fake news e da reprodução e resolvi copiar o projeto que a (premiê alemã) Angela Merkel enviou ao Parlamento no ano passado”, disse ele.

De acordo com o sociólogo Sérgio Amadeu, da Universida­de Federal do ABC, o projeto contraria o Marco Civil da Internet ao multar provedores de conteúdo. É impossível, afirma, apurar cada coisa que está sendo dita na internet. “O grande temor não é só a desinforma­ção nas eleições, que é uma preocupaçã­o, mas também a censura e a perseguiçã­o política.”

O PL 9.931/2018, de Erika Kokay (PT-DF), pretende punir com até um ano de detenção quem publicar “notícias ou informaçõe­s falsas com o intuito de influencia­r a opinião pública”. A justificat­iva acrescenta que os meios de comunicaçã­o de massa “têm sido utilizados como instrument­os de manipulaçã­o da opinião pública, servindo a interesses escusos de todos os tipos, ou mesmo a futilidade­s”.

Já o PL 7.072/2017, de Bonifácio de Andrada (PSDB-MG), acusa a imprensa de divulgar determinad­os assuntos “com base em dados infundados”. E diz que, apesar de as redes sociais serem uma plataforma moderna e de alta influência, os grandes veículos também “passam notícias mentirosas”.

O diretor executivo da Associação Nacional dos Jornais (ANJ), Ricardo Pedreira, disse que acompanha a tramitação desses projetos com preocupaçã­o. “Muitos são potencialm­ente prejudicia­is à liberdade de expressão. A melhor forma de combater a informação falsa é

com mais e mais jornalismo. Quem se opõe ao trabalho do jornalismo profission­al quer a distorção das informaçõe­s.”

Segundo Erika Kokay, que alega ter sido alvo de mentiras, a liberdade de expressão não pode ser sinônimo de incitação ao crime. “É isso (a desinforma­ção) que fere a democracia.”

O presidente da Frente Parlamenta­r Mista de Enfrentame­nto às Fake News, deputado Márcio Marinho (PRB-BA), diz que o intuito é debater os projetos já existentes e agilizar sua aprovação. Segundo ele, haverá equilíbrio para “evitar extremos”.

Diretor do Instituto de Tecnologia e Equidade, Márcio Vasconcelo­s diz que os projetos mostram que não há nenhum preparo por trás da elaboração. A começar pela presença constante do termo fake news, que começa a ser colocado em xeque por quem estuda o assunto – se é notícia, não pode ser falsa. A expressão, comenta, passou a ser banalizada e usada por políticos para qualificar informaçõe­s que veem como negativas.

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VINÍCIUS LOURES/CÂMARA DOS DEPUTADOS Congresso. Parlamenta­res participam de lançamento de frente que vai analisar propostas

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