O Estado de S. Paulo

Ajuda do FMI abala imagem de Macri

Popularida­de de líder argentino cai, mas opositores não conseguem tirar proveito

- Luciana Dyniewicz ENVIADA ESPECIAL A BUENOS AIRES

A um ano e meio das próximas eleições presidenci­ais, o chefe de Estado argentino, Mauricio Macri, viu, pela primeira vez desde que chegou à Casa Rosada, em dezembro de 2015, sua imagem se desgastar rapidament­e. Nos últimos seis meses, sua popularida­de caiu 15 pontos porcentuai­s, com uma deterioraç­ão acentuada no início do mês passado, após pedir socorro ao FMI.

Uma reversão desse quadro e seu futuro político passou, agora, a depender das exigências que o órgão fará em troca do empréstimo, dizem analistas.

Qualquer acordo com o FMI é mal recebido no país, pois a população associa o órgão à crise de 2001, que levou 57,5% dos argentinos à pobreza, lembra o analista político Sergio Berensztei­n. Uma pesquisa da consultori­a de Berensztei­n em parceria com a D’Alessio IROL, feita no fim de semana anterior ao anúncio do pedido de ajuda, apontou que 75% dos argentinos reprovavam um socorro do Fundo. Entre os eleitores de Macri, esse número, apesar de menor, chegava a 58%.

Após o governo contornar a crise cambial – que fez o dólar passar de uma cotação de 20,2 pesos no país para 24,9 pesos –, os números melhoraram. Uma nova pesquisa indica que, hoje, 48% dos argentinos ainda reprovam o FMI; entre os eleitores de Macri, esse número caiu para 25%. “Claramente, o governo conseguiu convencer um segmento importante de que tinha sentido recorrer ao Fundo, mas o presidente ficou debilitado e enfrentará um desafio enorme com as políticas de austeridad­e (que deverão ser exigidas em troca da ajuda financeira)”, disse Berensztei­n.

“Esse foi, de longe, o pior momento do governo Macri. Um setor importante da sociedade, a classe média, ficou muito preocupado com a economia. E esse é justamente o eleitor mais importante do Cambiemos (a coligação do presidente)”, acrescento­u. É a classe média, disse ele, que está acostumada a comprar dólares para poupar, já que o argentino não confia na moeda local nem no sistema bancário. Com a desvaloriz­ação do peso em 50% nos últimos 12 meses, essa parcela da população se viu prejudicad­a.

A professora particular de economia Candela De Lucas Pino, de 28 anos, está entre os argentinos que começam a retirar seu apoio a Macri. Candela afirma ter votado nele em 2015, mas diz estar arrependid­a. “Sabíamos que haveria um ajuste econômico, mas pedir ajuda ao FMI é diferente. Ninguém imaginou que chegaria a esse ponto”, diz, acrescenta­ndo que não votará nele caso tente a reeleição.

Candela conta que apoiou Macri por ele prometer que traria investimen­tos para o país voltar a crescer. Estava cansada da posição combativa e contra o capital estrangeir­o da ex-presidente Cristina Kirchner. Agora, porém, diz que o discurso de Macri, que costuma responsabi­lizar o governo Kirchner pelos problemas no país, está esgotado.

15 pontos porcentuai­s caiu a popularida­de do presidente Macri nos últimos seis meses 40% dos argentinos avaliam de forma positiva o governo Macri; quando ele foi eleito eram 65% 22% é a intenção de votos para Macri

Imagem. Hoje, 40% dos argentinos avaliam de forma positiva a imagem do Macri, 25 pontos porcentuai­s a menos do que quando ele chegou ao poder. Segundo o analista político Jorge Giacobbe, a “luz amarela se acende” quando essa parcela cai para menos de 45%. Os analistas apontam a inflação alta – de 24% em 2017 – como uma das responsáve­is pela retração nos índices de aprovação.

Há pouco mais de seis meses, Macri havia se consolidad­o como força política dominante

75% dos argentinos rejeitavam o pedido de empréstimo do FMI no mês passado 48% ainda reprovam o apelo argentino ao FMI 50% foi a desvaloriz­ação do peso argentino nos últimos 12 meses

no país, após vencer as eleições legislativ­as. Sua coligação encerrou a disputa com 42% dos votos para a Câmara dos Deputados e 41% para o Senado – o kirchneris­mo conseguiu 22% e 30%, respectiva­mente. Mas, de acordo com Giacobbe, metade dos votos para Macri decorrem de uma desaprovaç­ão a Cristina, não de um apoio ao presidente. “Ele só está protegido porque não há nenhum terceiro nome forte na política”, diz.

Berensztei­n vai na mesma linha: “A oposição está mais forte,

mas ninguém conseguiu capitaliza­r isso (a crise financeira) em apoio político”.

Dona de uma banca de revistas no bairro San Telmo, em Buenos Aires, a professora aposentada Rosana Cicchelli, de 71 anos, diz ter votado em Macri, mas agora, com o pedido de ajuda ao FMI, está “desiludida”. “Meu filho diz que não é para eu me preocupar. Mas tenho medo do que eles vão fazer (o fundo monetário), de que obriguem, por exemplo, o país a reduzir as aposentado­rias.”

Para Berensztei­n, ainda é cedo para afirmar quais serão os impactos do empréstimo do FMI para uma possível reeleição de Macri. “A crise cambial foi freada, mas o acordo com o Fundo está em negociação e a economia não está muito melhor. Na segunda metade de junho, quando tivermos uma dimensão da política de austeridad­e, haverá mais polêmica.”

Uma pesquisa da consultori­a de Giacobbe mostra que Macri tem 22% das intenções de votos para 2019, seguido por Cristina, com 18%, e a governador­a da Província de Buenos Aires e afilhada política de Macri, María Eugenia Vidal, com 12%.

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ANDRES STAPFF/REUTERS–14/4/2018 Desconfian­ça. A classe média, principal eleitora de Macri, ficou preocupada com medidas de austeridad­e tomadas por ele

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