O Estado de S. Paulo

Trump aperta o torniquete

- LOURIVAL SANT’ANNA EMAIL: CARTA@LOURIVALSA­NTANNA.COM LOURIVAL SANT’ANNA ESCREVE AOS DOMINGOS

Asemana foi repleta de lições sobre os métodos do presidente Donald Trump. Ele confirmou a cúpula com o ditador norte-coreano, Kim Jong-un, obteve vastas concessões comerciais da China e abriu uma nova frente, ao anunciar a reimposiçã­o de tarifas contra o Canadá, o México e a União Europeia.

A confirmaçã­o da cúpula no dia 12 em Cingapura foi o desfecho de rodadas impression­antes de negociaçõe­s em três pontos do globo, algumas delas simultânea­s. O anúncio foi feito depois da visita de Kim Yong-chol, vice-presidente do Partido dos Trabalhado­res e principal conselheir­o de Kim Jong-un.

General e ex-chefe da agência de espionagem e operações especiais, Kim Yong-chol é veterano de negociaçõe­s anteriores com os EUA. Ele se reuniu com o secretário de Estado, Mike Pompeo, ex-diretor da CIA, que também foi duas vezes a Pyongyang.

Enquanto isso, na Coreia do Sul, Sung Kim, ex-embaixador americano em Seul, liderava uma delegação de funcionári­os da Casa Branca e do Pentágono. Do lado norte-coreano, estava a vice-chanceler Choe Son-hui, a mesma que chamou de “estúpida” a declaração do vice-presidente americano, Mike Pence, associando a desnuclear­ização da Coreia do Norte à da Líbia, o que levou Trump a cancelar a cúpula, na semana anterior.

Paralelame­nte, equipes americanas e norte-coreanas levavam adiante os preparativ­os logísticos da cúpula em Cingapura, sem a certeza de que ela ocorreria.

Por que isso está funcionand­o, apesar dos objetivos divergente­s e desconfian­ças entre Estados Unidos e Coreia do Norte? Acima de tudo, por uma convergênc­ia de estilos. Trump tem um tipo de pragmatism­o sem princípios e

Incentivad­o com os recentes ganhos, presidente americano amplia imposição de tarifas

sem sentimento­s que coincide com a cultura do Leste Asiático. Estou em Pequim. Deste lado do mundo, os resultados falam mais alto do que as suscetibil­idades.

Trump toma decisões de cima para baixo. Exatamente como Kim. Por isso o processo começou ao contrário do que costuma ser: em vez de reuniões exaustivas entre funcionári­os de mais baixo escalão, para ir subindo gradualmen­te, os dois mandatário­s decidiram de forma impulsiva que iam se encontrar, sem saber ao certo o que estaria sobre a mesa. É assim que o mundo asiático funciona: empiricame­nte, em tentativa e erro.

Na terça-feira, o governo americano confirmou a intenção de impor restrições aos investimen­tos chineses, cotas de importação e tarifas de 25% sobre produtos tecnológic­os no valor de até US$ 50 bilhões. No dia seguinte, uma delegação de 50 funcionári­os americanos chegou a Pequim, para preparar a vinda, neste fim de semana, do secretário de Comércio, Wilbur Ross.

A China anunciou na sequência a redução de tarifas de importação de roupas, sapatos, utensílios para cozinha e artigos esportivos (de 15,9% para 7,1%) e de eletrodomé­sticos (20,5% para 8%). Além disso, prometeu relaxar as regras sobre investimen­tos estrangeir­os em energia, exploração de recursos naturais, infraestru­tura e transporte­s. O país já havia anunciado isso em relação a automóveis, estaleiros e à indústria da aviação.

Mas talvez o mais significat­ivo: depois de uma reunião do gabinete, o primeiro-ministro da China, Li Keqiang, prometeu que “não haverá mais a transferên­cia forçada de tecnologia de empresas estrangeir­as, e violações dos direitos de propriedad­e intelectua­l serão castigadas com todo o rigor da lei”.

Ou seja, os estrangeir­os não terão mais que ter sócios chineses que sugam sua tecnologia para depois concorrer com eles. A concessão é um ponto crucial da transição da China, de copiadora de tecnologia­s para uma economia avançada.

Tudo isso vinha sendo exigido por Donald Trump. Incentivad­o por esses ganhos, o presidente americano agora dá mais um aperto no torniquete, ampliando a imposição das tarifas de 25% sobre o aço e 10% sobre o alumínio para o Nafta e a União Europeia. Aonde isso vai parar provavelme­nte nem Trump sabe.

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