O Estado de S. Paulo

Uma história sobre grandes cérebros

Dois novos estudos detalham como uma mutação genética pode ter levado ao desenvolvi­mento do cérebro humano

- TRADUÇÃO DE CLAUDIA BOZZO ✽ © 2017 THE ECONOMIST NEWSPAPER LIMITED. DIREITOS RESERVADOS. PUBLICADO SOB LICENÇA. O TEXTO ORIGINAL EM INGLÊS ESTÁ EM WWW.ECONOMIST.COM

“Como os humanos ganharam seu cérebro” é provavelme­nte a mais importante das Histórias Assim que Rudyard Kipling nunca escreveu. Kipling não ignorou as pessoas em sua peculiar interpreta­ção da evolução. Duas de suas histórias descrevem a invenção do alfabeto e a invenção da escrita de cartas. Mas ele subestimou os cérebros humanos existentes por trás dessas invenções. Eles são três vezes o tamanho daqueles dos parentes vivos mais próximos da humanidade (gorilas, chimpanzés e orangotang­os).

Semana passada, houve a publicação de dois estudos que, somados, formam um importante parágrafo na história do cérebro humano. Ambos se referem a uma versão de um gene chamado NOTCH2. Os trabalhos apontam para um acontecime­nto no passado que mudou a atividade desse gene na linha evolutiva que levou às pessoas modernas. E são apoiados em experiment­os que sugerem que a mudança em questão é crucial para o surgimento dos grandes cérebros que distinguem os seres humanos de todas as outras espécies.

Os dois estudos foram publicados na revista Cell. Um deles foi liderado por David Haussler, da Universida­de da Califórnia, em Santa Cruz. O outro, por Pierre Vanderhaeg­hen, da Universida­de Livre de Bruxelas.

Haussler tropeçou em sua descoberta ao comparar o desenvolvi­mento do córtex cerebral em seres humanos e em macacos Rhesus. Ele e colegas encontrara­m em humanos o que pareciam ser várias versões não observadas previament­e do NOTCH2. Os novos genes, aos quais eles se referem como NOTCH2NLs, estavam ausentes

nos Rhesus e, como mostrou uma busca em bancos de dados genéticos, também não apareciam em todos os outros animais vivos, exceto em chimpanzés e gorilas. Nestes dois grandes primatas havia dois genes NOTCH2NL, mas pareciam inativos. Já em humanos um desses NOTCH2NLs viria a se tornar ativo e a criar três versões: A, B e C.

Este padrão A, B e C é replicado no DNA de duas espécies extintas de humanos, neandertai­s e hominídeos de Denisova. Ao olhar para pequenas diferenças entre os vários genes relacionad­os com NOTCH nas três espécies humanas e nos dois grandes símios, os pesquisado­res foram capazes de estimar quando o NOTCH2NL ativo surgiu: de 3 a 4 milhões de anos atrás. Foi quando, de acordo com o registro fóssil, os crânios dos ancestrais da humanidade começaram a se expandir.

Utilizando mini-cérebros artificiai­s, Haussler testou os efeitos de adicionar ou excluir os genes recém-descoberto­s. Na ausência de NOTCH2NL, os organoides se desenvolve­ram normalment­e. Com o gene, células-tronco, em vez de gerar neurônios, dividiram-se para criar mais células-tronco, resultando em mais neurônios que o normal. O gene NOTCH2NL havia gerado um cérebro maior. Penso logo existo. Já Vanderhaeg­hen estabelece­u desde o início que encontrari­a genes únicos, em humanos, responsáve­is pela criação de células cerebrais no córtex. Ele encontrou o mesmo conjunto de genes NOTCH2NLs.

Os estudos sugerem que o NOTCH2NL desempenho­u um papel crucial na história de “Como o humano ganhou seu cérebro”. Eles não respondem, no entanto, por que isso aconteceu. Mutações ocorrem o tempo todo. É improvável que essa tenha sido a primeira ocasião na história em que surgiu algo como NOTCH2NL. Para este gene ter prosperado da maneira que o fez, a seleção natural teria de tê-lo favorecido. Cérebros grandes devem ter sido úteis no contexto em que a mutação ocorreu. Que contexto era esse ainda não ficou claro. /

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DENNIS VERNOOIJ Pesquisa. Crânios começaram a expandir de 3 a 4 mi de anos atrás

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