Seleção nunca vista
Negativos fotográficos perdidos em gavetas, esquecidos por longo tempo, e reencontrados também por acaso não é algo novo na história da fotografia.
Voltou a acontecer outra vez recentemente e se transformou num livro lançado na semana passada, no Museu do Futebol. Pois trata-se exatamente disso: um livro de fotografias de futebol. Se alguém está pensando em fotos espetaculares, que mostram acrobacias inimagináveis, como fazem os comercias de TV na véspera da Copa, pode perder as esperanças. Se estiver, ao contrário, esperando ver a poesia que o futebol também tem, a emoção sutil, o que vai pela alma e não só pelos pés dos jogadores, vai encontrar o que procura.
Falo do livro “Seleção Nunca Vista”, composto de fotos de Antonio Lucio, consagrado fotógrafo da nossa imprensa, onde atuou por longo período do século passado. As fotos são dos treinos da seleção de 1958, em Poços de Caldas, pouco antes da partida para a Suécia de onde voltaria consagrada.
Parecem terem sido feitas aparentemente sem um destino definido, talvez pelo simples prazer de fotografar. Registram situações do mais absoluto cotidiano, quase banais se não fossem belíssimas, pelo menos para mim.
Realizadas num nostálgico preto e branco, enquadramentos simples, mas não simplórios, como se o fotógrafo quisesse desaparecer para dar destaque somente ao que via e tinha diante de si. O tempo fez bema essas fotos, pois, além de tudo, são hoje documento precioso de um Brasil que não existe mais. É quase impossível acreditar nas fotos e ver Gylmar, Didi, Djalma Santos, Nilton Santos andando no meio da população de Poços de Caldas, circulando como qualquer ser humano comum, treinando sob chuva num campo enlameado, num “estádio” que era pouco mais do que um campo de várzea. Um único, mas bem pintado outdoor, era tudo o que se via no estádio como publicidade. Compunha-se do desenho de um chapéu masculino e a marca “SARKIS” em letras grandes. Completava o conjunto a frase: “um chapéu para quem tem cabeça”. No mais apenas a igreja de Poços, presença como a proteger a delegação.
Paulo Machado de Carvalho queria ganhar a Copa. Essa seleção era séria, disciplinada como antes nunca fora uma seleção. Tinha até um Regulamento do Atleta distribuído aos jogadores onde se lia, por exemplo, “não usar roupão, chinelo, tamanco, calção ou sandália fora dos dormitórios ou vestiários”.
Paletó e gravata passaram a ser usados no lugar do habitual agasalho. Há fotos e mais fotos de craques em paletó e gravata, alguns elegantes como Didi e Gylmar, outros nem tanto, como Garrincha e Vavá. Há os que acabaram cortados, como Altair, Carlos Alberto (goleiro da Lusa), Jadir e Canhoteiro.
Pela primeira vez são lembrados e, registrados pela câmera de Lucio, passam também a ser parte da história como personagens daquela seleção.
O que me impressionou foram os retratos. Há poucos sorrisos e muita concentração. A foto que mais me intrigou foi a de Pelé, em primeiro plano, olhando direto para a câmera. Aos 16 anos, longe do Pelé alegre das propagandas e das festas a que nos acostumamos por anos e anos, o garoto exibia um olhar ao mesmo tempo agressivo, desafiador e inseguro do que estava fazendo ali, no meio de tantos brancos. E ao mesmo tempo estava escrito naquele rosto duro a promessa do que seria.
Após tantos anos vi um Pelé desconhecido. É isso, a beleza das coisas simples. Tenho de registrar com a maior satisfação que os textos que ilustram e iluminam as fotos são de Antero Greco. Não poderia haver escolha melhor para que os textos tivessem as mesmas qualidades das fotos: habilidade, equilíbrio e sensibilidade. O futebol agradece por a “Seleção nunca vista”.
Um livro feito com fotos de Antonio Lucio da seleção de 58 em Poços de Calda