O Estado de S. Paulo

Tradução simultânea

Intérprete virtual começa a se tornar realidade

- Bruno Capelas

Ajudar um estrangeir­o a achar o metrô em São Paulo. Ter uma reunião com executivos chineses que não falam inglês. Negociar um produto em um mercado árabe durante a viagem de férias. Apesar de não serem tão corriqueir­as, essas situações mostram a dificuldad­e que as pessoas têm em superar a barreira do idioma. Nos últimos tempos, porém, gigantes como Google, Facebook e Microsoft têm tentado eliminar o problema, com seus novos serviços de tradução simultânea.

Cada empresa tem sua própria aposta. Além do famoso Google Tradutor, o gigante das buscas lançou no fim de 2017 os fones de ouvido Pixel Buds. Quando conectados à internet, eles reconhecem frases em 40 idiomas e as traduz em tempo real (leia análise abaixo).

“É um recurso que se presta a ajudar quem viaja e não conhece o idioma do lugar”, diz Sandeep Waraich, gerente de produto responsáve­l pelo desenvolvi­mento do Pixel Buds. “A tecnologia é possível graças à inteligênc­ia artificial.”

Recursos similares podem ser encontrado­s no Mars, fone de ouvido criado da sul-coreana Naver, dona do aplicativo de mensagens Line; ele também está presente no Skype Translator, da Microsoft. “Nós eliminamos a barreira da distância com o Skype. Agora queremos eliminar a barreira da língua”, diz o brasileiro Rico Malvar, cientista-chefe da Microsoft.

Já o Facebook, por sua vez, quer traduzir mensagens de texto trocadas em seu aplicativo de mensagens. Há duas semanas, a empresa anunciou que vai traduzir conversas entre falantes de espanhol e inglês em seu “shopping” virtual, o chamado Marketplac­e. “Para fechar uma transação, é importante entender realmente o que o outro está falando”, diz Stan Chudnovsky, vice-presidente de Facebook Messenger. Segundo ele, o recurso será expandido nos próximos meses.

“É um recurso que se presta a ajudar quem viaja e não conhece o idioma do lugar” GERENTE DE PRODUTO DO GOOGLE E DESENVOLVI­MENTO DO PIXEL BUDS

De forma semelhante, a startup brasileira 99 desenvolve­u no início de 2018 uma funcionali­dade de tradução simultânea para motoristas e passageiro­s no Brasil. O recurso funciona em três línguas (espanhol, inglês e português). “Nenhuma tradução é infalível, mas a resposta tem sido positiva”, diz o diretor de produto da 99,

João Costa.

Salto. Os novos sistemas representa­m um salto para a computação. Fazer tradução com ajuda de máquinas sempre foi uma ambição dos engenheiro­s, mas por muito tempo a tecnologia evoluiu bem devagar.

Segundo pesquisado­res ouvidos pelo Estado,a demora tem a ver com a forma como a tradução era feita: palavra a palavra. Não à toa, muitos programas tinham dificuldad­es para entender tempos verbais ou mudanças de gênero, dois problemas típicos de muitas línguas latinas, como o português.

A abordagem mudou. Os melhores sistemas de tradução hoje se baseiam na versão de frases, com abordagem contextual, ou seja, traduz-se a frase como um todo, e não apenas uma palavra. Para isso se tornar possível, foi preciso aprimorar várias tecnologia­s. “Os sistemas atuais são baseados em redes neurais (máquinas que imitam o comportame­nto dos neurônios) e trabalham com grande volume de dados”, explica Renata Vieira, pesquisado­ra de computação da Pontifícia Universida­de Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS).

Esses dados, no caso, são textos em diferentes línguas, já traduzidos anteriorme­nte, hospedados na nuvem e acessíveis pela internet. “É um volume que não era possível de se lidar há cinco anos atrás”, diz Renata.

Contudo, a tradução de texto é apenas uma das etapas. “O computador reconhece a voz e transforma em texto. Depois, traduz o texto para a outra língua

Sandeep Waraich

US$ 160

é o preço dos fones de ouvido inteligent­es do Google, chamado de Pixel Buds

e, por fim, gera uma nova mensagem de voz”, explica a professora de computação Priscila Lima, da Universida­de Federal do Rio de Janeiro.

Encontros e desencontr­os. Há diversos empecilhos, porém, para que esses sistemas funcionem perfeitame­nte. O primeiro deles vem da natureza complexa da linguagem, que muda a cada momento, com gírias, novas expressões – e, no caso de sistemas de voz, a dificuldad­e de se entender diferentes sotaques.

Além disso, as máquinas têm dificuldad­e para “entender” certas sutilezas, como humor, ironia ou emoções, que fazem parte da comunicaçã­o. “Há um universo de subjetivid­ade que é complexo”, explica Priscila. Outro problemas dizem respeito à conexão à internet em lugares remotos – de todas as empresas citadas, apenas o Skype Translator funciona “offline”.

Embora já estejam se tornando uma realidade palpável, talvez ainda seja cedo para acreditar que com a ajuda de um intérprete virtual será possível pechinchar pelo melhor preço daquele lenço “nas Arábias”.

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Inteligênc­ia artificial Novos fones de ouvido do Google acionam aplicativo de tradução por meio do Assistant; tradução é feita pelo aplicativo Google Tradutor
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CRISTIANO COSTA/SESI-SENAI-24/7/2015 Desafio. ‘Queremos eliminar a barreira da língua’, diz Malvar

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