O Estado de S. Paulo

‘A conta não pode ir para os acionistas da Petrobrás’

A sociedade, segundo Pessôa, tem de decidir o papel da estatal e, se for o caso, fechar o capital da empresa

- Luciana Dyniewicz

A saída de Pedro Parente da presidênci­a da Petrobrás indica que o executivo encontrou dificuldad­e para manter a política de preços do combustíve­l alinhada com o mercado internacio­nal, segundo Samuel Pessôa, pesquisado­r associado do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV- Ibre).

Para ele, se a sociedade quiser que a estatal atenda a interesses sociais e permitir a atuação de interesses políticos, é preciso fechar seu capital. “O futuro (da petroleira) depende do resultado eleitoral”, diz.

Pessôa destaca que o governo perdeu a capacidade de gerenciar crises e afirma que o principal risco para o País, após a greve dos caminhonei­ros, é que movimentos semelhante­s comecem a ocorrer nos próximos meses. “Haveria um risco de estagflaçã­o.”

A seguir, os principais trechos da entrevista.

Como fica a Petrobrás após o anúncio de redução do preço de diesel, ainda que temporário, e a saída de Pedro Parente?

(A redução do preço) é um choque momentâneo. Eu entendo uma regra mais estável (para o preço do combustíve­l), em vez de reajustes todo dia. Agora, a Petrobrás não pode subsidiar, tem de cobrar o preço internacio­nal. A saída de Parente é péssima para a empresa e para o País. O interesse de utilizar a Petrobrás para fazer política se sobrepõe aos interesses da sociedade.

Sendo uma empresa estratégic­a para todos os setores da economia, ela não tem função social?

“Temos uma eleição difícil, um problema fiscal dramático e a sociedade vai ter de conversar com ela mesma.” Entendo que, num período de guerra, haja uma ação da Petrobrás para garantir a estabilida­de da oferta. Numa condição de normalidad­e, não entendo o subsídio. A maneira de fazer isso (subsidiar) é de uma forma transparen­te, com recursos do Tesouro, do contribuin­te. A conta não pode ser jogada nos acionistas da Petrobrás.

Por quê?

Porque a decisão é da sociedade. A empresa tem de ter a gestão bem feita e vai dar lucro. Esse lucro vai gerar dividendos para o governo. Não sei por que aquele cara que comprou uma ação da Petrobrás acreditand­o numa guinada política tenha de sofrer perda no seu patrimônio porque a política mudou. É uma empresa que está listada em Bolsa e obedece uma governança que não permite atuação política. Se a gente, enquanto sociedade, achar que a empresa tem de ser usada com esse fim, aí temos de comprar as ações de volta. Fechar o capital da empresa.

A saída de Parente indica que a empresa vai voltar a subsidiar o combustíve­l?

Havia espaço para ele negociar uma nova regra de preço que reduzisse as oscilações. Mas o

fato de ele ter saído e, antes mesmo disso, sinalizado que estava disposto a negociar alguma outra regra que reduzisse a oscilação, mas que não mudasse o princípio básico de precificaç­ão pelo custo de oportunida­de – que é dado pelo preço do bem no mercado internacio­nal –, significa que ele estava

com dificuldad­e de impor esse princípio. Mas não dá para fazer prognóstic­o do que acontecerá na Petrobrás. A saída dele muda todo o jogo. O governo está no fim. O futuro dela depende do resultado eleitoral.

Essa crise na empresa abre espaço para um debate em torno da privatizaç­ão ou da estatizaçã­o total?

Isso estava posto independen­temente desse processo. Temos uma eleição difícil, um problema fiscal dramático e a sociedade vai ter de conversar com ela mesma. Não tem saída fácil e certamente a inserção do Estado, mais intervento­r ou que garanta mais bem estar social será tema importante.

Quais os impactos da greve na economia?

O impacto imediato é uma tendência de estagflaçã­o, porque a greve desorganiz­a a produção. Com isso, faltam bens e serviços, os preços sobem e a produção cai. Mas esperamos que, com a normalizaç­ão da situação, os preços reduzam. Só não sabemos quanto tempo vai demorar esse processo.

Não é cedo para falar em estagflaçã­o? Vínhamos de uma inflação muito baixa. Não há espaço para um aumento de preços momentâneo sem gerar pressão inflacioná­ria?

Com certeza. O que eu digo é uma tendência, um choque estagflaci­onário. A inflação estava em nível muito baixo. Se bem que ela já viria pressionad­a em junho em função da desvaloriz­ação do câmbio e do aumento do petróleo. Mas, adicionalm­ente, temos agora o impacto da greve.

O governo respondeu de forma correta à greve?

Me parece que estava mal informado. Depois que a crise está instaurada, com pintinhos morrendo, filas quilométri­cas nos postos e todas as cidades em clima de feriado, o poder de barganha do lado grevista é muito forte. É difícil não ceder. Não acho que o problema tenha sido esse. Tinha de ter agido antes. Tinha de estar acompanhan­do com mais cuidado.

 ??  ?? Greve. Governo deveria ter agido antes, afirma Pessôa GABRIELA BILO/ESTADÃO–21/8/2015
Greve. Governo deveria ter agido antes, afirma Pessôa GABRIELA BILO/ESTADÃO–21/8/2015

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