O Estado de S. Paulo

ROTINA ESTÁ DE VOLTA ONDE TUDO COMEÇOU

Posto do Rodoanel Sul, em Embu das Artes, um dos símbolos da greve, retoma a normalidad­e

- Douglas Gavras

Um grupo de 20 militares observava o ir e vir de caminhões e carros na manhã da última sexta-feira. Outros agentes da Polícia do Exército ainda estavam espalhados em diferentes pontos da rodovia, mais à frente, para evitar novos protestos. Três dias antes, 300 soldados foram chamados para desmobiliz­ar os 200 caminhonei­ros que ficaram parados no posto Rodoanel Sul, por dez dias, contra o preço do diesel.

Aos poucos, a rotina começa a voltar ao posto que foi um dos símbolos da greve dos caminhonei­ros, no km 280 da Rodovia Régis Bittencour­t, no município de Embu das Artes (SP).

Do protesto, ficaram palavras de ordem pintadas em um viaduto próximo e no acostament­o, como “todo poder ao povo” e “queremos nova Constituiç­ão”.

“A retirada foi bem tranquila”, conta o tenente-coronel José Paulo da Silva Neto, do 2.º Batalhão da Polícia do Exército. De vez em quando, um morador da região ainda vai até os soldados, pedir por uma intervençã­o militar. “Mas não há perspectiv­a de que isso vá acontecer. Tem muito boato por aí”, assegura o tenente-coronel.

Na quinta-feira, o combustíve­l chegou, mas só a metade do que costuma vir, conta Leandro Duarte, de 46 anos, gerente do posto. “As distribuid­oras estão fazendo racionamen­to, dividindo a quantidade que mandam para cada posto. A demanda triplicou, mas entregam menos.” A partir de amanhã, o desconto de R$ 0,46 no diesel, uma das promessas feitas aos caminhonei­ros pelo governo Temer, já deve estar nas bombas, afirma.

Sinal vermelho. Há nove anos no estabeleci­mento, Duarte acordou preocupado quando soube que o movimento grevista havia se intensific­ado e estava concentrad­o no posto onde trabalha. “Foram dias muito emocionant­es, tudo estava parado. Vim de moto e encontrei o pessoal aqui. Alguns dos manifestan­tes já eram nossos clientes, mas era um mar de gente desconheci­da. Assustava.”

O lugar é estratégic­o: colado ao Rodoanel, o posto fica a poucas quadras do sindicato dos caminhonei­ros – era lá que eles iam para tomar banho durante os dias de paralisaçã­o.

Gerente do restaurant­e ao lado do posto, Fernando Córdova, 28, diz que era no estabeleci­mento que eles viam televisão, para acompanhar a cobertura dos protestos. Com o passar dos dias, muitos ficaram sem ter como pagar o almoço e receberam doações. “Também contribuí”, diz Fernando.

O barbeiro Thiago Duarte, 20 anos, também ajudou. Ele cortou cabelo e fez a barba de graça de dezenas de manifestan­tes. “Ficamos amigos. E ainda deu para compensar os custos com os que podiam pagar. De um dia para o outro, o meu movimento dobrou.” “Nunca vendemos tanto”, diz a atendente da loja de conveniênc­ia, Amanda Venute, de 21 anos. O faturament­o subiu de R$ 600 por dia para R$ 4 mil com os novos vizinhos. De repente, eles montaram uma churrasque­ira na frente da loja e trouxeram um violão. O estoque de cerveja logo acabou e o chefe dela foi buscar mais, de moto. “Acho que jamais vou me esquecer desses últimos dias.”

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FELIPE RAU/ESTADÃO–25/5/2018 Caos. Protesto de caminhonei­ros no km 280 da Régis Bittencour­t, no 5º dia da greve
 ?? VALERIA GONÇALVES/ESTADÃO ?? Livre. Fluxo de carros volta à normalidad­e, sexta-feira, no mesmo ponto da rodovia
VALERIA GONÇALVES/ESTADÃO Livre. Fluxo de carros volta à normalidad­e, sexta-feira, no mesmo ponto da rodovia
 ?? VALERIA GONÇALVES/ESTADÃO ?? Doações. Grevistas não tinham como pagar almoço, diz Córdova
VALERIA GONÇALVES/ESTADÃO Doações. Grevistas não tinham como pagar almoço, diz Córdova

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