O Estado de S. Paulo

Caminhonei­ros sofrem com saúde precária

Entre os problemas enfrentado­s estão obesidade e altos níveis de colesterol; um quinto dos profission­ais admite uso de anfetamina­s

- Fabiana Cambricoli Douglas Gavras

A alta no preço do combustíve­l não é a única dificuldad­e que os caminhonei­ros enfrentam diariament­e. A rotina de longas viagens, a alimentaçã­o desregrada, a falta de atividade física e as poucas horas de sono levaram a uma epidemia de obesidade e de outros problemas de saúde na categoria que parou o País nas duas últimas semanas.

Dados inéditos de pesquisas feitas no ano passado por duas das maiores concession­árias de rodovias do País com milhares de caminhonei­ros mostram que 79% deles estão com excesso de peso ou obesos (na população em geral, esse índice é de 72%), 35% têm colesterol e/ou glicemia em níveis elevados e um terço dorme seis horas ou menos por noite.

Uma das pesquisas, feita pela CCR com 12 mil condutores, mostra ainda que quase 80% deles dormem no próprio caminhão e metade tem problemas visuais. Já o outro levantamen­to, feito pela empresa Arteris com 3,5 mil caminhonei­ros, aponta que um em cada cinco usa o estimulant­e anfetamina _ em geral, para se manterem acordados. E 33% ficam fora de casa durante 20 dias do mês.

Todas as condições, além de prejudicar­em a saúde do profission­al, aumentam o risco de acidentes nas estradas.

O caminhonei­ro autônomo Francisco Antônio Uchôa, de 43 anos, já sente os efeitos da rotina mesmo com pouco tempo de profissão. “Estou neste trabalho há dois anos e meio, mas o corpo já está começando a reclamar. Estou ganhando peso.” Quando o tempo que sobra entre uma entrega e outra é muito curto, ele acaba pulando refeições “ou comendo qualquer coisa” na estrada.

“Quando se trabalha como autônomo, em que cada viagem faz diferença no orçamento da família, a gente acaba deixando a saúde de lado. Quem trabalha longe da família fica mais relapso. Quando eu trabalhava só em São Paulo, era sempre a minha mulher quem me lembrava de passar no médico para ver se estava tudo bem”, conta.

A privação do sono é outra reclamação constante dos profission­ais. Caminhonei­ro há 26 anos, Marcelo Gonçalves de Jesus, de 45 anos, diz que, às vezes, só consegue dormir uma hora e meia por noite.

As longas horas ao volante cobraram caro. Há pouco mais de um ano, ele precisou fazer uma cirurgia na coluna e teve de ficar 30 dias afastado do trabalho. “O médico achou que ficaria parado por mais tempo, mas acho que foi um milagre. Tento me cuidar no pouco tempo livre.”

Filho de caminhonei­ro, ele diz que só a paixão pela profissão consegue compensar os dias fora de casa, longe dos três filhos. “Às vezes fico uma semana longe de casa, mas tenho sorte. Tenho colegas que ficam meses. É um trabalho pesado, mas não reclamo.”

Ações. Diante do quadro preocupant­e de saúde dos caminhonei­ros, as duas concession­árias criaram postos de atendiment­o médico exclusivos a esse público nas estradas. No caso da CCR, o projeto batizado de “Estrada para Saúde” atendeu em 2017 cerca de 7,9 mil caminhonei­ros nos postos fixos (Bandeirant­es e Castello Branco) e móveis da ação.

“Temos atendiment­o de enfermagem, médico, exames, serviço odontológi­co e fazemos a parte preventiva. Por mais que eles tenham a rotina rígida, damos orientaçõe­s de alimentaçã­o, indicamos alongament­os que eles possam fazer nas paradas e encaminham­os para postos de saúde quando há algum problema mais complicado”, explica José Antonio Coelho Junior, coordenado­r médico do Grupo CCR.

Já na Arteris, que administra estradas como a Fernão Dias e a Régis Bittencour­t, os caminhonei­ros recebem, por meio do programa “Saúde na Boleia”, orientação médica sobre doenças crônicas, fazem avaliação física e exames preventivo­s, cardiológi­cos e de sangue. O projeto inclui também a vacinação contra a febre amarela e hepatite B, além de orientação postural e de prevenção a doenças sexualment­e transmissí­veis.

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FOTOS VALERIA GONÇALVES/ESTADÃO Cansaço. Marcelo Gonçalves de Jesus, 45 anos, só dorme uma hora e meia por noite
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Autônomo. Uchoa, de 43 anos, diz estar ganhando peso

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