Voto certo
Conheceram-se numa fila de carros esperando a vez de encher o tanque, num dos poucos postos da cidade que tinham gasolina para vender. A fila não andava. Ela saiu do seu carro, ele saiu do seu. Começaram a conversar.
– Que país – disse ele.
– Que país – concordou ela.
– E tão cedo não melhora – disse ele. – Só piora.
– E as eleições não vão mudar nada.
– Vai ter eleição? Eu estou meio por fora...
– Eleição presidencial. Em outubro, novembro, por aí.
– Que país.
– Que país.
– Ainda bem que eu não voto – disse ela. – Você não vota?
– Pra que votar, se nada adianta nada? Votei no Collor e deu no que deu. Votei no Fernando Henrique e não adiantou. Apoiei o impeachment da Dilma e veio o Temer. Hoje, nem sei quem são os candidatos. E não quero saber. Vou votar em branco.
– Tem gente pedindo intervenção militar, o que é um absurdo.
– Sei não...
– Você apoiaria uma intervenção militar?
– Para acabar com essa bagunça? Sem a menor dúvida.
– Você, às vezes, não desconfia que, todo esse tempo, votou errado? Que é um pouco cúmplice dessa bagunça?
– Eu cúmplice?! Saiba que os meus pais marcharam juntos pela liberdade em 64. Deram ouro para pagar a dívida e tudo. Depois me contaram como foi. Nós sempre apoiamos a causa certa, é uma tradição de família. E sempre votamos certo. O país é que deu errado.
– Sabe que uma greve de caminhoneiros como a de agora foi uma das responsáveis pela queda do Allende? – De quem?
– Allende. Chile. Golpe militar. Anos atrás.
– Olha, eu não entendo muito de política, ainda mais política antiga, mas... Epa. A fila está andando.
– Vamos lá... Posso lhe dar um conselho?
– Depende. Só não me chama de cúmplice.
– Não deixe de votar. Talvez desta vez dê certo.
– OK. Tchau.