O Estado de S. Paulo

Voto certo

- VERISSIMO LUIS FERNANDO VERISSIMO ESCREVE ÀS QUINTAS-FEIRAS E AOS DOMINGOS

Conheceram-se numa fila de carros esperando a vez de encher o tanque, num dos poucos postos da cidade que tinham gasolina para vender. A fila não andava. Ela saiu do seu carro, ele saiu do seu. Começaram a conversar.

– Que país – disse ele.

– Que país – concordou ela.

– E tão cedo não melhora – disse ele. – Só piora.

– E as eleições não vão mudar nada.

– Vai ter eleição? Eu estou meio por fora...

– Eleição presidenci­al. Em outubro, novembro, por aí.

– Que país.

– Que país.

– Ainda bem que eu não voto – disse ela. – Você não vota?

– Pra que votar, se nada adianta nada? Votei no Collor e deu no que deu. Votei no Fernando Henrique e não adiantou. Apoiei o impeachmen­t da Dilma e veio o Temer. Hoje, nem sei quem são os candidatos. E não quero saber. Vou votar em branco.

– Tem gente pedindo intervençã­o militar, o que é um absurdo.

– Sei não...

– Você apoiaria uma intervençã­o militar?

– Para acabar com essa bagunça? Sem a menor dúvida.

– Você, às vezes, não desconfia que, todo esse tempo, votou errado? Que é um pouco cúmplice dessa bagunça?

– Eu cúmplice?! Saiba que os meus pais marcharam juntos pela liberdade em 64. Deram ouro para pagar a dívida e tudo. Depois me contaram como foi. Nós sempre apoiamos a causa certa, é uma tradição de família. E sempre votamos certo. O país é que deu errado.

– Sabe que uma greve de caminhonei­ros como a de agora foi uma das responsáve­is pela queda do Allende? – De quem?

– Allende. Chile. Golpe militar. Anos atrás.

– Olha, eu não entendo muito de política, ainda mais política antiga, mas... Epa. A fila está andando.

– Vamos lá... Posso lhe dar um conselho?

– Depende. Só não me chama de cúmplice.

– Não deixe de votar. Talvez desta vez dê certo.

– OK. Tchau.

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