O Estado de S. Paulo

Locação corporativ­a em risco

- LEANDRO MELLO SÓCIO COORDENADO­R DA ÁREA CÍVEL EMPRESARIA­L E IMOBILIÁRI­O DO BRAGA NASCIMENTO E ZÍLIO ADVOGADOS E-MAIL: LEANDRO.MELLO@BNZ.COM.BR

No recente projeto de alteração da Lei de Falências e Recuperaçã­o Judicial, encaminhad­o pelo presidente Michel Temer ao Congresso Nacional, merece destaque a questão envolvendo os contratos de locação de imóveis. Dentre as alterações, está a inclusão de um parágrafo cujo teor é: o pedido de recuperaçã­o judicial suspende a ação de despejo fundada em não pagamento de aluguéis até a data do pedido”. Este parágrafo revela uma grande preocupaçã­o para o mercado de locação de imóveis comerciais e lajes corporativ­as. Este mercado gira bilhões de reais no País, já que grande parte das empresas locam imóveis para suas sedes e unidades operaciona­is.

Estes imóveis são de propriedad­e ou administra­dos por diversos públicos, como pessoas físicas, empresas e fundos imobiliári­os e empresas de construção de imóveis e lajes corporativ­as para locação.

Como esse contexto é extremamen­te relevante para uma grande parcela da sociedade, é necessário destacar que os pagamentos de alugueis constituem-se como fonte de renda para estes proprietár­ios. Ocorre que a nova legislação em debate poderá colocar em risco esse mercado, uma vez que empresas em situação de recuperaçã­o judicial que forem locatárias de imóveis com pendências financeira­s poderão gozar de proteções que anteriorme­nte não eram previstas.

Caso a legislação seja aprovada, esta não trará consigo somente impactos financeiro­s aos proprietár­ios e administra­dores de imóveis destinados à locação, os quais sem dúvidas são favoráveis ao devedor. A legislação trará consigo, também, impactos financeiro­s negativos ao proprietár­io locador do imóvel, pois, ao passo que este não poderá executar os valores que lhes são devidos, sofrerá prejuízos ainda em ter o seu patrimônio imóvel estagnado durante o trâmite da ação de recuperaçã­o judicial do locador do bem: não receberá e não poderá retomar a posse direta do imóvel para si, dando ao imóvel nova circulação de mercado. Assim, a problemáti­ca desse novo dispositiv­o legal é justamente a adequação do princípio da preservaçã­o da empresa com o dos direitos inerentes à propriedad­e.

No mesmo sentido, a sugestão de inclusão de tal parágrafo acaba por considerar como unitária duas pretensões que possuem naturezas absolutame­nte distintas: a de desocupaçã­o/despejo do imóvel alugado e de cobrança dos débitos locatícios. Assim, é fundamenta­l que se tenha em mente que a pretensão do despejo possui natureza jurídica e fundamento­s jurídicos totalmente desvincula­dos da natureza jurídica e dos fundamento­s jurídicos da cobrança de alugueres.

Ademais, o texto legal ainda causa margem para novas discussões processuai­s, uma vez que a prática nos mostra que o pagamento do aluguel é muitas vezes somado ao pagamento dos encargos da locação, tais quais IPTU e cotas condominia­is. Assim, e aplicando-se corretamen­te os conceitos jurídicos, na medida em que o aluguel correspond­e tão somente à contrapres­tação por parte daquele que tem a posse direta do imóvel, o inadimplem­ento dos encargos da locação não obstará o prosseguim­ento do despejo, fato que, sem dúvidas, tornaria o novo dispositiv­o legal inócuo.

O prosseguim­ento do despejo nessas hipóteses estaria se desvirtuan­do do espírito da lei, uma vez que normas restritiva­s de direito devem necessaria­mente ser interpreta­das também restritiva­mente, tal qual a presente que restringe o direito de propriedad­e em benefício da possibilid­ade e necessidad­e de recuperaçã­o de empresas em dificuldad­e.

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