Empresas engajadas aliam lucratividade e impacto social
A escolha entre ganhar dinheiro ou ajudar pessoas não precisa ser excludente; novos negócios contam com diversas fontes de receita
É crescente o número de empreendedores engajados que investem na tese de que é possível conciliar lucro com a promoção de impacto social. “Gosto da frase: entre ganhar dinheiro e ajudar as pessoas fico com os dois”, diz o fundador do Banco Maré – sistema financeiro virtual criado no Complexo da Maré, no Rio de Janeiro –, Alexandre Albuquerque.
Segundo ele, não existe impacto social sem dinheiro. “É preciso gerar recursos para contratar pessoas e manter o sistema, mas também causamos impacto solucionando problemas de pessoas que vivem em comunidades e não têm acesso ao sistema financeiro convencional.”
A ideia do negócio surgiu quando Albuquerque visitou o Complexo da Maré, região com 200 mil moradores e que reúne 16 comunidades. “Queria ter contato com alunos do ensino médio para convidá-los a ingressar
em um projeto de formação de programadores. Descobri que na região não havia escola de ensino médio e um dos líderes locais perguntou se poderia ajudá-los com a questão de pagamentos, pois precisavam pegar ônibus e ir ao banco em outro bairro.”
Na época, Albuquerque estava estudando sobre moeda virtual e comentou o caso com amigos. “Eles brincaram, sugerindo que eu criasse uma moeda virtual, mas eu levei a ideia a sério.” Em seguida, ele soube que o engenheiro de segurança do Twitter Maer Salal estava em férias no Brasil. “Fui a São Paulo e expliquei o projeto a ele, que me ajudou a montar uma versão beta do aplicativo, lançada em agosto de 2016.”
O negócio começou com ele sentado em uma cadeira, com um notebook no colo e uma placa: ‘Banco Maré, pague suas contas aqui’. Após 15 dias, uma senhora pagou uma conta, viu que deu certo e trouxe outras pessoas. O boca a boca correu pela comunidade e o número de usuários aumentou.
“Hoje, temos dez funcionários que trabalham nas quatro unidades do Banco Maré instaladas na comunidade. A idade média deles é 21 anos e já colocamos sete na faculdade. Formamos nossa mão de obra e esse é um dos motivos do sucesso.”
Os moradores batizaram a moeda de Palafita porque a comunidade nasceu em palafitas às margens da Baía de Guanabara. O sistema funciona por meio de aplicativo mobile e a recarga é feita de forma semelhante a usada nos celulares.
“Em março deste ano, só na Maré, foram pagos R$ 2 milhões em boletos. E o número de pessoas que pagam contas atrasadas caiu 65%”, ressalta.
A receita do banco vem do pagamento de mensalidade pelo uso do cartão pré-pago Maré, com bandeira Mastercard, que custa R$ 10. “Este valor é convertido em bônus de celular para os clientes. Eu pago R$ 5 à empresa que fornece o bônus e fico com R$ 5”, conta. Outra fonte de receita é um porcentual sobre cada boleto pago. “Também temos maquininhas de pagamento por cartão e recebemos porcentual a cada transação”, completa.
• Tecnologia 200 mil é o número de moradores das 16 comunidades do Complexo da Maré que podem ser atendidas pelo banco virtual R$ 2 mi é o valor pago em boletos só no mês de março; houve queda de 65% no atraso de pagamentos
“Estamos expandido para Heliópolis e Vila Prudente, em São Paulo, e até o final do ano estaremos em Paraisópolis, além de outras comunidades do Rio.” O Banco Maré está entre os dez negócios de impacto em aceleração pela Estação Hack – parceria do Facebook e Artemisia.
Preconceito. Preconceito. Outro negócio acelerado pela Estação Hack é o Diáspora.Black, criado por Carlos Humberto da Silva Filho. A plataforma de marketplace é voltada a serviços de turismo e convida as pessoas a valorizarem a cultura negra, além de promover igualdade e diversidade.
“Sou um homem negro e vi que havia a necessidade de termos serviços e produtos de turismo para atender as necessidades desse público. Vivi experiências racistas tanto na locação de acomodação em minha casa quanto ao acessar sites que oferecem esse serviço. O mesmo ocorreu ao me hospedar em hotéis e pousadas.”
Segundo ele, essa rejeição foi comprovada pelo estudo ‘Racial Discrimination in the Sharing Economy: Evidence from a Field Experiment’, feito pela universidade de Harvard, que identificou que a população negra enfrenta dificuldade para acessar acomodação compartilhada em plataformas virtuais.
“Eu me vi nesse estudo, mas antes disso já vinha validando a minha ideia, para ter certeza de que não era um problema pontual e confirmar a necessidade de criar serviços qualificados, que blindassem os clientes de experiências constrangedoras.”
A plataforma opera desde junho de 2017 e começou oferecendo acomodações compartilhadas para pessoas negras. “Agora, estamos lançando serviços de experiências de valorização da cultura negra, com roteiros disponíveis na plataforma oferecidos por guias e agências parceiras.”
Silva Filho conta que também acaba de validar um curso de qualificação do setor. “Os usuários da plataforma não querem viver experiências racistas ao acessar os serviços oferecidos por estabelecimentos da nossa rede. Vamos qualificar o setor de hospedagem e o das companhias aéreas.”
Segundo ele, o critério para vender acomodações na plataforma requer funcionários qualificados para que o estabelecimento obtenha o selo Diáspora.Black. “Com o selo, o setor estará preparado para receber a população negra e para promover igualdade e diversidade.”
A plataforma está presente em 70 cidades de 36 países e conta com três mil clientes cadastrados, entre anfitriões e viajantes. “Nossa página tem 250 mil acessos por mês e recebemos 10% de participação em cada negociação”, conta Silva Filho.