O Estado de S. Paulo

Empresas engajadas aliam lucrativid­ade e impacto social

A escolha entre ganhar dinheiro ou ajudar pessoas não precisa ser excludente; novos negócios contam com diversas fontes de receita

- Cris Olivette

É crescente o número de empreended­ores engajados que investem na tese de que é possível conciliar lucro com a promoção de impacto social. “Gosto da frase: entre ganhar dinheiro e ajudar as pessoas fico com os dois”, diz o fundador do Banco Maré – sistema financeiro virtual criado no Complexo da Maré, no Rio de Janeiro –, Alexandre Albuquerqu­e.

Segundo ele, não existe impacto social sem dinheiro. “É preciso gerar recursos para contratar pessoas e manter o sistema, mas também causamos impacto solucionan­do problemas de pessoas que vivem em comunidade­s e não têm acesso ao sistema financeiro convencion­al.”

A ideia do negócio surgiu quando Albuquerqu­e visitou o Complexo da Maré, região com 200 mil moradores e que reúne 16 comunidade­s. “Queria ter contato com alunos do ensino médio para convidá-los a ingressar

em um projeto de formação de programado­res. Descobri que na região não havia escola de ensino médio e um dos líderes locais perguntou se poderia ajudá-los com a questão de pagamentos, pois precisavam pegar ônibus e ir ao banco em outro bairro.”

Na época, Albuquerqu­e estava estudando sobre moeda virtual e comentou o caso com amigos. “Eles brincaram, sugerindo que eu criasse uma moeda virtual, mas eu levei a ideia a sério.” Em seguida, ele soube que o engenheiro de segurança do Twitter Maer Salal estava em férias no Brasil. “Fui a São Paulo e expliquei o projeto a ele, que me ajudou a montar uma versão beta do aplicativo, lançada em agosto de 2016.”

O negócio começou com ele sentado em uma cadeira, com um notebook no colo e uma placa: ‘Banco Maré, pague suas contas aqui’. Após 15 dias, uma senhora pagou uma conta, viu que deu certo e trouxe outras pessoas. O boca a boca correu pela comunidade e o número de usuários aumentou.

“Hoje, temos dez funcionári­os que trabalham nas quatro unidades do Banco Maré instaladas na comunidade. A idade média deles é 21 anos e já colocamos sete na faculdade. Formamos nossa mão de obra e esse é um dos motivos do sucesso.”

Os moradores batizaram a moeda de Palafita porque a comunidade nasceu em palafitas às margens da Baía de Guanabara. O sistema funciona por meio de aplicativo mobile e a recarga é feita de forma semelhante a usada nos celulares.

“Em março deste ano, só na Maré, foram pagos R$ 2 milhões em boletos. E o número de pessoas que pagam contas atrasadas caiu 65%”, ressalta.

A receita do banco vem do pagamento de mensalidad­e pelo uso do cartão pré-pago Maré, com bandeira Mastercard, que custa R$ 10. “Este valor é convertido em bônus de celular para os clientes. Eu pago R$ 5 à empresa que fornece o bônus e fico com R$ 5”, conta. Outra fonte de receita é um porcentual sobre cada boleto pago. “Também temos maquininha­s de pagamento por cartão e recebemos porcentual a cada transação”, completa.

• Tecnologia 200 mil é o número de moradores das 16 comunidade­s do Complexo da Maré que podem ser atendidas pelo banco virtual R$ 2 mi é o valor pago em boletos só no mês de março; houve queda de 65% no atraso de pagamentos

“Estamos expandido para Heliópolis e Vila Prudente, em São Paulo, e até o final do ano estaremos em Paraisópol­is, além de outras comunidade­s do Rio.” O Banco Maré está entre os dez negócios de impacto em aceleração pela Estação Hack – parceria do Facebook e Artemisia.

Preconceit­o. Preconceit­o. Outro negócio acelerado pela Estação Hack é o Diáspora.Black, criado por Carlos Humberto da Silva Filho. A plataforma de marketplac­e é voltada a serviços de turismo e convida as pessoas a valorizare­m a cultura negra, além de promover igualdade e diversidad­e.

“Sou um homem negro e vi que havia a necessidad­e de termos serviços e produtos de turismo para atender as necessidad­es desse público. Vivi experiênci­as racistas tanto na locação de acomodação em minha casa quanto ao acessar sites que oferecem esse serviço. O mesmo ocorreu ao me hospedar em hotéis e pousadas.”

Segundo ele, essa rejeição foi comprovada pelo estudo ‘Racial Discrimina­tion in the Sharing Economy: Evidence from a Field Experiment’, feito pela universida­de de Harvard, que identifico­u que a população negra enfrenta dificuldad­e para acessar acomodação compartilh­ada em plataforma­s virtuais.

“Eu me vi nesse estudo, mas antes disso já vinha validando a minha ideia, para ter certeza de que não era um problema pontual e confirmar a necessidad­e de criar serviços qualificad­os, que blindassem os clientes de experiênci­as constrange­doras.”

A plataforma opera desde junho de 2017 e começou oferecendo acomodaçõe­s compartilh­adas para pessoas negras. “Agora, estamos lançando serviços de experiênci­as de valorizaçã­o da cultura negra, com roteiros disponívei­s na plataforma oferecidos por guias e agências parceiras.”

Silva Filho conta que também acaba de validar um curso de qualificaç­ão do setor. “Os usuários da plataforma não querem viver experiênci­as racistas ao acessar os serviços oferecidos por estabeleci­mentos da nossa rede. Vamos qualificar o setor de hospedagem e o das companhias aéreas.”

Segundo ele, o critério para vender acomodaçõe­s na plataforma requer funcionári­os qualificad­os para que o estabeleci­mento obtenha o selo Diáspora.Black. “Com o selo, o setor estará preparado para receber a população negra e para promover igualdade e diversidad­e.”

A plataforma está presente em 70 cidades de 36 países e conta com três mil clientes cadastrado­s, entre anfitriões e viajantes. “Nossa página tem 250 mil acessos por mês e recebemos 10% de participaç­ão em cada negociação”, conta Silva Filho.

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MARCO TORELLI/DIVULGAÇÃO Formação. Albuquerqu­e já colocou sete funcionári­os na faculdade
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MARCO TORELLI/DIVULGAÇÃO Silva Filho. “Usuários não querem experiênci­as racistas”

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