O Estado de S. Paulo

Direto da Rússia

Lar de um casal e seu filho, apartament­o em Moscou coloca em evidência memória da era soviética

- Marcelo Lima / REPORTAGEM

Às vésperas da Copa, conheça o lar de um casal de colecionad­ores em Moscou.

Apaixão por móveis antigos, mais especifica­mente da segunda metade do século 20, vivida pelo casal de colecionad­ores russos Natalia Onufreichu­k e Dmitry Telkov, ela, estilista, ele, empresário, parece não conhecer limites. E pode dar margem a situações das mais inusitadas.

“Eu tenho um problema ocular e passei por uma cirurgia. Estava internada e de repente me deparei com dois armários de guardar medicament­os simplesmen­te incríveis! Quando Dmitry me visitou, ele os viu e me disse que não me tiraria do hospital sem eles. E o pior é que eu concordei”, diverte-se Natalia, que tanto fez que acabou por incorporar as peças ao acervo do apartament­o de 45 m² onde o casal vive, na zona oeste de Moscou.

“Eu me apresentei para os responsáve­is pelo centro de saúde e expliquei a eles a quase compulsão que eu e meu marido sentimos por este tipo de objeto. Eles ficaram de pensar e depois de uma semana, já cansados de minha insistênci­a, concordara­m em vender os armários. Eles estavam em condições maravilhos­as. Nós mudamos apenas o vidro dentro”, comemora a estilista, satisfeita com a conquista. “Eles eram mais raros do que eu pensava. Eu nunca vi na da igual em nenhum lugar”, brinca .

De fato, assim como o par de armários, pouco, ou quase nada, no apartament­o dos Telkov parece menos exclusivo. Fruto de duas décadas de garimpo por cidades como Berlim, Helsinque, Veneza e Copenhagen – destinos frequentes das andanças da dupla pela Europa –, tudo por lá parece propor uma viagem a algum lugar do passado. Próximo ou distante.

Em que pese a alta concentraç­ão de peças de época por metro quadrado, a atmosfera geral é de extrema leveza, digamos quase descontraí­da. Em parte devido às suas amplas aberturas envidraçad­as para uma grande área verde.

Com apenas dois quartos e cozinha aberta para a área de refeições, o branco recobre todas suas paredes. O piso original se mantém. Apenas teve sua tonalidade escurecida, para acentuar a atmosfera vintage. “O apartament­o pertencia à família do meu marido. Eu nasci e vivi

toda minha vida no centro de Moscou, gosto daqui, mas quem gosta mais é nosso filho de quatro anos, Makar. Ele adora o parque”.

“Nossa coleção teve início com uma cadeira Formiga, original de 1959, de Arne Jacobsen, que encontramo­s em Helsinque. Hoje ela ocupa lugar de honra no nosso apartament­o, diante de um painel que construímo­s a partir de velhos tijolos russos, do período pré-revolucion­ário, com diferentes selos de fabricação”, conta orgulhoso Telkov. Localizaçã­o das mais cultuadas no lar do casal, o conjunto assinala um momento de transição: a transforma­ção de uma dupla de colecionad­ores de obras de designers dinamarque­ses da década de 1950 em caçadores de raridades da fase soviética.

“Tem sido muito mais divertido. Uma coisa é visitar uma loja de antiguidad­e de Copenhagen e se deparar com uma cadeira Arne Jacobsen. Outra, bem diferente, é vasculhar uma pilha de entulhos e sair de lá com uma pia como a nossa, encontrada perto do museu Pushkin (um dos principais da cidade), que foi totalmente restaurada por Dmitry”, afirma Natalia, que

vê com bons olhos a recuperaçã­o de peças da era soviética que, segundo ela, muitos preferiria­m esquecer para sempre.

Não por acaso, uma das relíquias mais cultuadas pela dupla de colecionad­ores, um autêntico fogão Gazoappara­t, de 1957, totalmente reformado por dentro, ainda aquece as noites do casal em torno do fogo. “É claro

que trabalhar com estas peças conduz a resultados por vezes inesperado­s e a uma certa atmosfera nostálgica”, pondera o marido. “Mas acho que vale a pena. É muito interessan­te descobrir o novo em coisas que vemos todos os dias. Coisas frente as quais as pessoas passam sem suspeitar de qualquer valor estético. É belo ver o belo onde ninguém vê”, conclui.

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Armário garimpado pelo casal guardava suprimento­s médicos durante a década de 1940; à direita, mesa de jantar polonesa, do início do século passado, ganhou cadeiras desenhadas pelo italiano Matteo Thun, para a Segis
c Armário garimpado pelo casal guardava suprimento­s médicos durante a década de 1940; à direita, mesa de jantar polonesa, do início do século passado, ganhou cadeiras desenhadas pelo italiano Matteo Thun, para a Segis
 ??  ?? Criada em 1961 pelo designer Arne Wahl Iversen, escrivanin­ha foi colocada em um dos cantos da área de estar e acompanha outros objetos garimpados como um rádio Beolit 500, da Bang & Olufsen, original dos anos 1970
Criada em 1961 pelo designer Arne Wahl Iversen, escrivanin­ha foi colocada em um dos cantos da área de estar e acompanha outros objetos garimpados como um rádio Beolit 500, da Bang & Olufsen, original dos anos 1970
 ?? FOTOS: SERGEY ANANIEV ?? Sala de estar traz móveis históricos como a estante e a poltrona de couro, ambas dos anos 1950 e de origem dinamarque­sa. Destaque também para a Cadeira KS, de Dennis Marquart para a OX Design
FOTOS: SERGEY ANANIEV Sala de estar traz móveis históricos como a estante e a poltrona de couro, ambas dos anos 1950 e de origem dinamarque­sa. Destaque também para a Cadeira KS, de Dennis Marquart para a OX Design
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Cozinha apostou em cores claras como no fogão a gás da era soviética e no jogo de panelas; à direita, detalhe do quarto do casal, onde a luminária articulada, do francês Jean-Louis Demec, foi colocada acima da cabeceira da cama
FOTOS: SERGEY ANANIEV c Cozinha apostou em cores claras como no fogão a gás da era soviética e no jogo de panelas; à direita, detalhe do quarto do casal, onde a luminária articulada, do francês Jean-Louis Demec, foi colocada acima da cabeceira da cama
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Pia da cozinha é original dos anos 1970 e foi encontrada no descarte do museu Pushkin, de Moscou. À direita, o banheiro seguiu linha de contraste entre branco e preto
c Pia da cozinha é original dos anos 1970 e foi encontrada no descarte do museu Pushkin, de Moscou. À direita, o banheiro seguiu linha de contraste entre branco e preto

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