O Estado de S. Paulo

Candidatos não revelam planos para impostos

Presidenci­áveis prometem reduzir peso dos tributos, em reação à greve dos caminhonei­ros; especialis­tas temem que propostas genéricas distorçam ainda mais sistema

- Adriana Ferraz Paulo Beraldo Raquel Brandão

A greve dos caminhonei­ros levou o tema da reforma tributária para o centro das campanhas à Presidênci­a. Na busca de se mostrar capazes de resolver algo tão complexo sem perder votos, os pré-candidatos prometem soluções que não incluem alta de impostos, mas evitam detalhar suas propostas.

A greve dos caminhonei­ros, que paralisou o País, colocou em alerta toda a classe política a quatro meses das eleições e ainda levou para o centro das campanhas presidenci­ais o tema da reforma tributária. Os caminhonei­ros conseguira­m isenção da Cide (Contribuiç­ão de Intervençã­o no Domínio Econômico) e redução do PIS/Cofins sobre o preço do diesel, depois de negociar acordo exclusivo com o governo. Na tentativa de se mostrar capazes de resolver matéria tão complexa sem perder votos, os pré-candidatos prometem soluções que não passam por um aumento da atual carga de impostos, mas também evitam detalhar suas propostas.

A necessidad­e de se alterar o modelo de cobrança de tributos vigente no Brasil, diferentem­ente da execução de uma reforma previdenci­ária, é consenso entre os pré-candidatos. Representa­ntes da direita e da esquerda se unem nas críticas ao alto volume de impostos pago pela população sem retorno em serviços públicos de qualidade. Na carona da crise, defendem fazer mudanças que tornem a carga tributária mais justa, deixando de pesar sobre os mais pobres. Só não explicam como reunir apoio para alcançar tal feito.

Consultado­s pelo Estado sobre suas propostas, três de 11 presidenci­áveis nem sequer se posicionar­am: Ciro Gomes (PDT), Jair Bolsonaro (PSL) e Rodrigo Maia (DEM). Dos que respondera­m à reportagem, todos se compromete­ram a não aumentar impostos – ao menos sobre os mais pobres – e a propor regras distintas para a partilha da receita oriunda de tributos entre União, Estados e municípios, o chamado novo pacto federativo.

A maioria ainda considera a unificação, em um mesmo imposto, de tributos que incidem sobre bens e serviços, como PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS. É o chamado Imposto Sobre Valor Agregado (IVA). “Propomos substituir o ICMS pelo IVA nacional cobrado no destino. Será mantido o imposto de renda com incidência sobre lucros e também sobre salários. Haverá dois ou três impostos de caráter regulatóri­o”, afirmou Henrique Meirelles (MDB). Na avaliação de Marina Silva (Rede), o IVA é de extrema importânci­a para tornar a tributação brasileira mais eficiente e transparen­te.

Guilherme Boulos (PSOL) e Manuela d’Ávila (PCdoB) disseram que cobrariam mais impostos dos ricos. “Vamos também taxar grandes fortunas e heranças, reintroduz­ir o imposto sobre remessa de lucros e dividendos e rever as tabelas do Imposto

de Renda”, afirmou Boulos. “Para nós, qualquer reforma parte de um princípio: alguém só pode começar a pagar impostos depois que suprir as necessidad­es básicas da família”, disse Manuela.

Já Flávio Rocha (PRB) prometeu a criação de um imposto único

federal, com base em transações financeira­s eletrônica­s, ao estilo da extinta CPMF, com alíquotas gradativas que chegariam a 1,4% em cinco anos. “Em compensaçã­o, só pagaria IR quem recebesse mais de 20 salários mínimos. Seria uma revolução, o ‘Uber tributário’”, disse.

Na semana passada, no auge da crise de desabastec­imento, as declaraçõe­s dos pré-candidatos foram acompanhad­as de um movimento na Câmara para desengavet­ar o projeto de reforma tributária relatado por Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR) e parado desde agosto de 2017.

Pressa. Para o diretor do Centro de Cidadania Fiscal, Bernard Appy, é evidente no Congresso a pressão para fazer o projeto andar como resposta à greve. “O receio é que essa necessidad­e permita que seja aprovada uma proposta falha, que onere ainda mais o setor público e deixe o ambiente de negócios ainda mais inseguro”, afirmou Appy, que tem se reunido com presidenci­áveis.

Para o economista Clóvis Panzarini, da USP, “decidir matéria tão complexa de maneira tão açodada pode fazer com que se consiga o que se julga impossível, que é piorar o sistema”. “A caça a votos parece se sobrepor à racionalid­ade tributária.”

Soma-se a tudo isso a necessidad­e de se elevar as receitas destinadas a Estados e municípios, uma das principais dificuldad­es hoje para se aprovar um novo modelo de impostos. Com as contas no vermelho, seria missão das mais árduas conseguir convencer governador­es e prefeitos de que eles precisarão abrir mão dos tributos que garantem a maior parte de seus recursos (ICMS e ISS) e confiar em um novo tributo nacional, o IVA.

“O próximo presidente precisará trabalhar com os governador­es e instituiçõ­es representa­tivas dos prefeitos para buscar, com urgência, um consenso para o desenho de um novo pacto federativo. Ele será fundamenta­l para balizar a reforma tributária, administra­tiva e a até previdenci­ária”, afirmou Alvaro Dias (Podemos).

Para o cientista político e pesquisado­r da FGV-SP Humberto Dantas, o País não tem liderança política para promover uma mudança razoável no campo tributário. “Qualquer coisa que venha será inscrita nas mudanças frágeis e repletas de protecioni­smo e exceções execráveis. Essa é a cara de nossa política hoje. O País perdeu a capacidade de se transforma­r.”

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NILTON FUKUDA/ESTADÃO–25/5/2018 Acordo. Com a greve, caminhonei­ros conseguira­m corte de tributos sobre o preço do diesel

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