Tom político
Nos 50 anos do clássico ‘Z’, Costa-Gavras é homenageado no Festival Varilux de Cinema
Diretor grego Costa-Gavras é homenageado no Festival Varilux.
Constantin Costa-Gavras recebe o repórter em casa – Rue Saint Jacques, mais próximo do Panteão do que da Sorbonne. O encontro é para falar de Z, seu clássico político que completa 50 anos e é homenageado no Festival Varilux de Cinema Francês, que começa dia 7 e vai até o dia 20 em várias cidades do País.
Como todo ano, o festival traz filmes inéditos, uma delegação de convidados e o clássico – Z. Costa recebe o repórter em um domingo parisiense, dia 20 de maio. Sua mulher participa do encontro, Michelle, ou Michou. A conversa é animada, ele também banca o repórter fazendo perguntas – sobre o expresidente Luiz Inácio Lula da Silva. O telefone toca. É a neta, chamando de Londres. Vovô derrete-se. Diz que é o seu “trésor”, tesouro.
Há 50 anos, o grego CostaGavras, hoje com 85 anos e radicado em Paris, já formara um sólido currículo de assistente de direção. Dirigira, ele próprio, Crime no Carro Dormitório e Tropa de Choque. Em 1967, com saudades da mãe, voou a Atenas. Na volta, ele se lembra até hoje, o lendário Aristóteles Onassis tomou o mesmo avião com seu “entourage”. Estava quase embarcando quando o irmão, Tolis, lhe enfiou um livro debaixo do braço. “Leia”, pediu. “Foi escrito por um amigo meu, Vassilis Vassilikos.” Durante o voo, Costa sacou o livro, escrito em 1967. A capa era ocupada por um imenso Z. Ele lembra que achou idiota – o que significa? –, mas começou a ler. Não largou mais. A enquete sobre o assassinato de um político liberal em Atenas. O caso é encoberto como se fosse acidente, apesar dos esforços de um magistrado (JeanLouis Trintignant) para levar o caso adiante.
“Desembarquei em Paris sem ter terminado o livro, mas já possuído pela leitura. Era domingo pela manhã, mal havia entrado em casa e meu amigo Jorge Semprún já estava ao telefone. ‘Ligue o rádio.’ Os coronéis haviam dado um golpe na Grécia. Michou, de cara, me cobrou – ‘O que você vai fazer?’ Balbuciei um ‘Não sei’ e ela se indignou, ‘Como assim, não sei?’ O livro me queimava a mão. Nasceu assim, meio impulsiva, a decisão de adaptar Z. Semprún rapidamente se integrou ao projeto, ao qual emprestou grande qualidade literária. O primeiro imbróglio foi para adquirir os direitos, Vassilis estaria preso na Grécia. Não, me informou Julie Dassin, filha de Jules (o cineasta norte-americano). Ele estava em Roma.”
Adquirir os direitos, na base da confiança, foi mais fácil do que convencer os possíveis produtores. “Quem vai se interessar pelo assassinato de um deputado grego?” No limite, o mundo. Z concorreu em Cannes. O júri presidido por Luchino Visconti outorgou a Trintignant o prêmio de melhor ator. Alertado de que era pouco – a ovação do público havia sido espetacular após a projeção oficial –, o júri reuniu-se de novo e atribuiu a Z seu prêmio especial. Foi só o começo. Z não apenas foi indicado para o Oscar nas categorias de filme e direção como venceu como melhor filme estrangeiro. A participação de Yves Montand foi fundamental. Embora o papel de Lambrakis seja relativamente pequeno, tudo gira em torno ao crime. Montand já era um amigo. Com a mulher, Simone Signoret, interpretara Crime no Carro Dormitório. O prestígio do casal agregara outros nomes de prestígio a Compartiments Tueurs – Jean-Louis Trintignant, Michel Piccoli.
De repente, estavam todos em Z – Montand, Trintignant. E também Irene Papas, Jacques Perrin, Charles Denner. “O sucesso do filme me colou a etiqueta de cineasta político. Não me queixo, mas em muitos momentos de minha trajetória, mesmo quando queria fazer outras coisas, obras mais intimistas, para o público e a crítica eu era sempre o diretor político.”
Em São Paulo, Z será exibido no dia 10, às 18h20, no Cinearte, e no dia 17, às 18h, no Caixa Belas Artes.
Mais informações sobre Costa-Gavras e sua trajetória na
Durante o Festival de Cannes de 2018, na Fnac da Rue d’Antibes, Costa-Gavras lançou seu livro de memórias. Va là où il Est Impossible d’Aller – Mémoires, Vá aonde é Impossível Ir, das edições Seuil. O diretor conta tudo. Por quê? Aos 85 anos – nasceu em 12 de fevereiro de 1933 –, ele diz que sentiu a necessidade de passar sua vida a limpo. “Já há algum tempo vinha coletando informações. Chegou um dia em que o livro se tornou necessário. Não só a minha história. A da minha geração. Pertenço a uma geração que sonhou mudar o mundo. Vivemos intensamente o sonho e a sua contrapartida – os combates mais duros contra a repressão.”
Em sua casa, ele contou ao repórter os bastidores de seu clássico Z, que completa 50 anos e será a atração especial, em cópia restaurada, do Festival Varilux de Cinema Francês.
Depois de Z, em 1969, sobre uma ditadura de direita, Costa emendou A Confissão, sobre os processos do stalinismo. Foi para equilibrar, para manter, digamos, a isenção? “Nunca fomos, nem eu nem meus amigos, stalinistas. Mesmo quando cerramos fileiras alinhados com a URSS, durante a Guerra Fria, o apoio era tácito. O gulag (campos de trabalhos forçados para criminosos, presos políticos e qualquer cidadão que se opusesse ao regime na antiga União Soviética) nos horrorizava, mas a URSS interessava por seu enfrentamento, como um limite, aos EUA. Veja o estado do mundo após a fratura do mundo comunista. A América dá as cartas”, comenta ainda. E ele assinala. “A questão hoje em dia nem é ideológica. O poder é econômico. Tenho certeza de que no Brasil, como na França, nos Estados Unidos, todo poder é dos bancos.”
A fama de cineasta político ainda o persegue, mas foram sempre as histórias de certos personagens que ele quis contar. Admirava Salvador Allende, a quem conheceu por intermédio de um diretor amigo, o chileno Helvio Soto. A destruição do projeto da Unidade Popular do Chile foi, para ele, uma grande tragédia.
Como presidente da Cinemateca Francesa, Costa-Gavras empenha-se no restauro de grandes filmes. Não desistiu de filmar. Tem pronto um roteiro que espera filmar até o ano que vem, Adults in the Room. “É sobre a Europa contemporânea. Intimista e, claro, político.”