O Estado de S. Paulo

O STF tarda

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Se todo o Judiciário tivesse o ritmo do STF, a Lava Jato seria diferente: muito mais lenta.

Depois de três anos e três meses, o Supremo Tribunal Federal (STF) proferiu a primeira decisão condenatór­ia de um caso relacionad­o à Operação Lava Jato. Na terça-feira passada, a Segunda Turma do STF condenou o deputado federal Nelson Meurer (PP-PR) a 13 anos, 9 meses e 10 dias pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. O parlamenta­r teria recebido ilegalment­e ao menos R$ 4,7 milhões, oriundos de um caixa administra­do pelo doleiro Alberto Youssef, num esquema envolvendo a diretoria de abastecime­nto da Petrobrás. Ainda cabe recurso da decisão.

O primeiro julgamento de ação penal da Lava Jato no STF não oferece nenhum motivo de comemoraçã­o. O caso era simples e o julgamento não envolvia especial dificuldad­e. Mesmo assim, foram três anos e três meses até ser julgado pela Segunda Turma. Tal demora é simplesmen­te incompreen­sível. O descalabro ficou evidente durante a sessão de julgamento do caso. No processo contra o deputado Nelson Meurer não havia nenhum elemento que justificas­se tamanha tardança.

Se todo o Poder Judiciário tivesse o mesmo ritmo do STF, a Lava Jato seria bem diferente: muito mais lenta. Em vez dos três anos e três meses da Segunda Turma, o juiz Sérgio Moro proferiu a primeira sentença de um caso da Lava Jato depois de um ano e um mês. Foram 401 dias entre a deflagraçã­o da operação policial, em 17 de março de 2014, e a sentença de Sérgio Moro que condenou Alberto Youssef e o ex-diretor de Abastecime­nto da Petrobrás Paulo Roberto Costa, em 22 de abril de 2015. O tempo médio das sentenças nos processos da Lava Jato na 13.ª Vara Federal de Curitiba é de nove meses.

Em razão do ritmo de trabalho do STF nas ações penais, é natural a formação de um alto estoque de processos à espera de uma decisão. Atualmente, há ao menos oito ações da Lava Jato pendentes de julgamento no Supremo. Numa das ações, a senadora Gleisi Hoffmann, atual presidente do PT, é acusada dos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Em 27 de setembro de 2016, a Suprema Corte aceitou a denúncia, que envolve também o ex-ministro Paulo Bernardo e o empresário Ernesto Kugler, mas ainda não se sabe quando será julgada.

A lentidão não está restrita aos casos da Lava Jato. No ano passado, o STF recebeu parcialmen­te uma denúncia contra o senador Renan Calheiros (PMDB-AL), tornando-o réu pelo crime de peculato. O caso, que envolve suposto recebiment­o de propina da construtor­a Mendes Júnior, para o custeio das despesas da jornalista Mônica Veloso, tramita no Supremo desde 2007. Na ocasião do recebiment­o da denúncia, o gabinete do ministro Celso de Mello informou que a demora na apreciação do caso não acarretava prejuízo ao processo já que não havia risco de prescrição.

É equivocada a ideia de que o processo penal pode se estender, sem maiores problemas, até os limites da prescrição. Tendo em vista a importânci­a para a sociedade – e também para os acusados – de que os indícios de crimes sejam esclarecid­os, a ação penal não deve durar um dia a mais do que o necessário.

O alto estoque de ações penais à espera de julgamento no STF é extremamen­te danoso para o País. Isso significa que os escândalos vêm à tona, produzem estardalha­ço, mas depois não recebem um ponto final. A população fica sem saber se eram verdadeiro­s ou não. E, principalm­ente, se os acusados são, de fato, culpados conforme a acusação.

No segundo semestre haverá eleições. A depender do ritmo do Supremo, mais uma vez o cidadão não terá elementos definitivo­s para avaliar a honestidad­e de muitos candidatos, cujos casos estão à espera de julgamento. É evidente que, por mais que não acarrete prescrição, essa situação gera um descomunal prejuízo para o País.

O Supremo é o guardião da Constituiç­ão. Não cumpre, portanto, o seu papel se, não importa por qual motivo seja, protela as ações penais que a Carta Magna coloca sob sua competênci­a. É deletério para o País que o STF seja tão bissexto na apreciação das causas penais que, queiram ou não alguns ministros, são de sua competênci­a. Em respeito à população e à Constituiç­ão, urge outra atitude.

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