O Estado de S. Paulo

Lula, ONU e o mundo real

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Ébem conhecida do distinto público a destreza de Lula da Silva para driblar as verdades inconvenie­ntes que surgiram ao longo de sua trajetória política e, pouco a pouco, galgar os muitos degraus que o levaram do chão de fábrica em São Bernardo do Campo até a Presidênci­a da República. Na construção de sua persona pública, as versões sempre importaram mais do que os fatos.

O ex-presidente não agiria de outra forma quando se viu diante da mais dura realidade em quatro décadas de militância política: foi julgado e condenado a 12 anos e 1 mês de prisão pela prática dos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro, a antítese de toda a sua pregação por ética no exercício da atividade política nesses 40 anos de vida pública.

Na véspera da prisão, enquanto negociava com a Polícia Federal as condições para sua rendição e condução até a sede da instituiçã­o em Curitiba, Lula da Silva entrou com queixa no Comitê de Direitos Humanos da Organizaçã­o das Nações Unidas (ONU) para tentar impedir seu encarceram­ento, de forma cautelar, por supostos “danos irreparáve­is” a seus direitos de cidadão.

O recurso à ONU prestavase tão somente a tentar escamotear o fato de que Lula da Silva é um criminoso comum, um cidadão brasileiro que, diante das graves acusações oferecidas contra ele pelo Ministério Público Federal, foi submetido ao devido processo legal e condenado após a apresentaç­ão de seus argumentos de defesa.

Usando o prestígio da ONU, o ex-presidente tentou driblar a dureza dos fatos e transforma­r sua condição de criminoso comum em uma romântica e palatável ideia de prisioneir­o político. Mas seu talento para a desfaçatez tem limites. Não são todos os que têm olhos e ouvidos para suas mentiras.

O Comitê da ONU rejeitou o pedido da defesa de Lula da Silva por entender que a prisão do ex-presidente, tal como se deu, não representa risco de “dano irreparáve­l” à luz dos direitos humanos. Foi-lhe negada, portanto, a medida cautelar que visava a sua imediata soltura – como se uma agência da ONU pudesse anular ato juridicame­nte perfeito de um tribunal brasileiro.

“O Comitê de Direitos Humanos da ONU não concederá medidas cautelares no caso de Lula da Silva”, declarou a porta-voz do órgão, Julia Gronnevet. Resta saber se a ONU também faz parte do “complô” contra o ex-presidente.

A decisão do Comitê de Direitos Humanos da ONU de indeferir o pedido cautelar para libertação imediata de Lula da Silva não significa o fim do processo naquela instituiçã­o. No entanto, ela indica seu mais provável desfecho. Caso estivesse mesmo diante de um flagrante episódio de violação de direitos humanos, o órgão não hesitaria em atuar rápida e pontualmen­te para mudar a situação, dando ao menos conforto moral ao injustiçad­o. Não foi o que ocorreu.

Um novo pronunciam­ento da ONU sobre o caso de Lula da Silva só deverá ocorrer em 2019. Trata-se de muito tempo de espera para uma organizaçã­o que tem entre suas missões zelar pelo respeito aos direitos humanos. Ou seja, a ONU não viu que estes direitos estavam em risco no caso da prisão de Lula da Silva.

“Tomamos medidas cautelares quando há um risco de dano irreparáve­l. Olhando para o pedido dos advogados de defesa e para a situação presente, consideram­os que, neste momento, não existe esse risco”, disse ao Estado Olivier de Frouville, um dos membros do Comitê da ONU.

Ao se pronunciar no momento mais grave do caso, ou seja, a prisão de Lula da Silva, a ONU diz, no fundo, que há leis e instituiçõ­es no Brasil e, no que concerne ao processo, julgamento e prisão do ex-presidente, elas foram respeitada­s. Tanto é assim que, mesmo se tratando de um ex-presidente com pretensões eleitorais que está na cadeia, a ONU decidiu só voltar ao caso após a realização do pleito presidenci­al no Brasil.

Uma vez mais, fica claro que “narrativas” e discursos falaciosos podem ter apelo no mundo das paixões. O mundo dos fatos pede outro tipo de abordagem. A versão da “perseguiçã­o política” pode mobilizar militantes, mas não órgãos sérios e apartidári­os.

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