O Estado de S. Paulo

O general de Tasso contra aliança de Ciro

Senador tucano escala militar da reserva para eleição no Ceará contra petista Camilo Santana, que tem o apoio do PDT

- Luiz Maklouf Carvalho ENVIADO ESPECIAL / FORTALEZA

O general de quatro estrelas Guilherme Cals Theophilo de Oliveira passou para a reserva no último 31 de março, depois de 45 anos no Exército. Seu último posto foi o Comando de Logística, com orçamento de R$ 3 bilhões para compras de suprimento­s no Brasil e no exterior. “De sapatos a foguetes de última geração”, como ele próprio diz. Saiu com 63 anos, a vida organizada, um bom casamento, três filhos, uma neta de dois anos, Alice, e, por último mas não menos importante, uma moto Harley Davidson de 1.800 cilindrada­s, comprada há um ano por R$ 80 mil. Tinha tudo para aproveitar a vida, como se diz, mas virou político: é o candidato do PSDB (e do PROS) ao governo do Ceará.

O bunker do general tem sido, desde 21 de abril, o 12.º andar da torre empresaria­l do shopping Iguatemi, em Fortaleza, ao lado do Parque Estadual do Cocó, o quarto maior da América Latina. É a sede do poderoso grupo empresaria­l do senador tucano Tasso Jereissati, três vezes governador do Estado, e agora responsáve­l pela escolha do quatro estrelas para tentar derrotar o até aqui franco favorito à reeleição, o governador Camilo Santana, do PT – apoiado pela “oligarquia Ferreira Gomes” (Cid e Ciro), como a chama o general, e por uma coligação de mais 20 partidos.

O primeiro a oferecer uma candidatur­a política para o chefe militar foi o prefeito tucano de Manaus, Arthur Virgilio. Convidou-o para disputar a Câmara Federal nos tempos em que era Comandante Militar da Amazônia, entre 2014 e 2016. Não rolou. Mas em março, quando passou para a reserva, Virgílio acionou Tasso Jereissati. Algumas conversas depois, o general cearense era candidato a governador.

“O meu PSDB é o do senador Tasso Jereissati, um homem honesto, de transparên­cia, de integridad­e, de responsabi­lidade, com exemplos consolidad­os de gestor público”, esclarece o avô de Alice na mesa de mármore oval com vista espraiada para a vegetação exuberante do Cocó. “Quem mais apostaria na novidade de um general sem experiênci­a nessa classe política?”

O piloto da Harley contou ao Estado algumas frases que disse ao senador Jereissati: “Não vou fazer conchavo político com ninguém”; “não aceito pressão, se eleito for”; “os cargos serão preenchido­s pela meritocrac­ia”.

São ideias que tem divulgado em entrevista­s frequentes, principalm­ente para as rádios do interior cearense (184 municípios), em que também se declara “totalmente contra” a intervençã­o militar na área de segurança em curso no Rio de Janeiro. “Foi uma decisão política, para impedir que se votasse a reforma da Previdênci­a”, diz. De 0 a 10, sua nota para o presidente Michel Temer é 5. O general trabalha, também, com Marcos Holanda, ex-presidente do Banco do Nordeste, na elaboração do programa de governo. “Não sou político, estou político”, diz, definindo-se como “de centro”. “Eu sou estrategis­ta, eu não sou politiquei­ro”.

Seu adversário é o governador do Estado. “O Camilo perdeu a autoridade, falta gestão”, diz, com críticas genéricas e pontuais a todas as áreas do governo. “Essa coligação maluca de 21 partidos, e a política do ‘é dando que se recebe’, não vão chegar a um resultado bom”, afirma. Na eleição presidenci­al, o general admira o deputado federal Jair Bolsonaro (PSL), como colega, mas vai de Geraldo Alckmin (PSDB), não sabendo explicar porque a candidatur­a não deslanchou. “Ainda não estudei isso a fundo”, disse o neotucano.

Nascido em Fortaleza, onde a família tem raízes históricas – os Cals e os Theophilo – o general é filho do general de brigada Manuel Theophilo Gaspar de Oliveira Neto, já falecido, ativo participan­te do golpe militar de 64. “Foi preso três vezes”, lembra o filho, ele próprio um entusiasta do que chama de “contrarrev­olução democrátic­a de 64”, que apoiou até o final do governo do conterrâne­o Castelo Branco. “O erro do Exército foi permanecer no poder”, disse, declarando-se contra a tortura e outras práticas de exceção. Fã declarado de Castelo, lembrou-se de uma frase que atribuiu a ele: “O militar não pode ter medo de ideias novas”. César Cals, ministro no governo João Figueiredo e governador do Ceará, já falecido, é tio do agora candidato.

Currículo. Seu currículo militar inclui – além dos comandos e de 300 saltos de paraquedas – curso de antiguerri­lha na Colômbia, com operações reais; atuação pela ONU nas conversaçõ­es de paz da Nicarágua (“cercaram o meu carro, começaram a balançar”); curso em Genebra, Suíça, pelo órgão da ONU para desarmamen­to e pesquisa, em 1996; viagens ao Haiti como comandante de Logística, entre elas a do ano passado, responsáve­l pelo repatriame­nto de todo o material.

Como comandante militar da Amazônia, implantou o megaprojet­o Amazônia Conectada – a distribuiç­ão de 7.800 quilômetro­s de cabos subfluviai­s de fibras óticas, ao longo das calhas dos rios Negro, Solimões, Madeira, Purus e Juruá, atingindo 52 municípios. Coordenou, também, a criação do Pró-Amazônia, um projeto de apoio aos institutos de pesquisa interessad­os na região. “De Manaus para a frente, a infraestru­tura é toda por conta do Exército”, explicou o agora político com a saudade na cara. O Pró-Amazônia alarmou o senador petista Lindberg Farias, que não gostou da presença de pesquisado­res americanos. O general foi dar explicaçõe­s no Senado. “O mundo é globalizad­o”, disse.

O general nada, corre no parque Cocó, cavalga a Harley, diverte-se com Alice, mantém o porte atlético em 1,71 de altura em 76 quilos. Vê-se de cara que 45 anos de disciplina militar definem uma personalid­ade – e que não está sendo muito fácil adaptar-se ao “estar político”. Mas ele tem se esforçado. “Eu entrei para acabar com essa mesmice que há anos nós estamos vendo no Estado”, afirma.

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JARBAS OLIVEIRA/ ESTADÃO Bunker. O general Guilherme Cals Theophilo de Oliveira trocou o Comando de Logística do Exército por um escritório ao lado do Parque Estadual do Cocó

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